domingo, 31 de outubro de 2010

Entre os meus cabelos

Não me escondo nem me revelo
Por vezes sou pequena chama
Desvelo segredos nos meus pés
Grande é a minha fé e a minha esperança
E não tenho paciência com mediocridades
As coisas vãs que me pertencem
Prefiro esquecê-las
Não sei e não sou
E quando fico é porque metamorfoseio o que vejo
Nos caminhos me sementeio
Encontro passarinhos e seus bicos conhecem
Meus vazios
Ouço sinfonia
Aquela que apenas os pensamentos são capazes de orquestrar
Parafraseio a vida e abano as mãos à morte
Ainda que sem respirar
Tornar-me-ei matéria vária
Porque diverso é meu ser
E esqueço de quantas flores fui antes de tornar-me eu.
Nessa mesma vida já vivi e já morri
E agora, nesse instante,
Relampeiam no céu de minha boca
As trovoadas desse tempo quente de verão
Proclamo versos doces e poéticos
Contando do amor que tive e tenho
Guardado entre as égides do meu coração.
Coração descrente entre as ritmadas batidas.
Tenho arritimia passional
O vento entra no meu quarto e serpenteia entre os meus cabelos
Leva consigo indelével marca do meu descompasso.
Talvez encontre o que eu procuro.
Será que trará para mim?

sábado, 30 de outubro de 2010

Experimente

Não gosto de frutas cristalizadas. De jeito nenhum, em nenhuma hipótese, nem por educação. Para comer bolo de casamento, coisa que não faço há mais de seis anos (em outra oportunidade conto o porquê), cato todas as frutinhas. Se uma delas me escapa, cuspo-a, como quando comemos peixe e ele tem aquela espinha bem fininha que só sentimos quando mastigamos.

Desde bem pequenas minhas filhas foram apresentadas a todo tipo de alimento. Frutas e seus sucos, sopinhas, verdura, feijão, arroz, carne, ovo, comida temperada com cebola, alho e coentro (que eu adoro!). Sempre foram comilonas quando bebês.

Vão crescendo, nossos bebês, e ficando cheios de 'nove horas': não gosto disso, não como aquilo, quero refrigerante, quero salgadinho. E a fruteira termina a semana quase como começou.

O exemplo educa mais do que a palavra. É fato. Contudo a palavra tem a sua força. Isso também é fato.

Certa vez ganhamos um bolo. Bonito, mas cheio de fruta cristalizada. Até o cheiro das danadas me causa ojeriza. De qualquer forma não se perde, pois meu marido não tem nada contra... Bom, estávamos lá, à mesa, para jantarmos:
- Mãe, esse bolo é bom?

Suspense. Silêncio. Olhinhos me fitando.
- Bom, eu não gosto de fruta cristalizada. Acho MUITO ruim, mas coma, experimente... Você pode gostar.

Pronto! Sem possibilidades. Se minha mãe, que come de tudo, não gosta...

Cuidemos para que nossas palavras não criem muros, gaiolas, receios. Não sejamos os que impedem mas os que impulsionam.

Essa é uma historinha boba, que vez por outra minhas filhas recontam e terminam rindo, dizendo: eu odeio, eu detesto fruta cristalizada! Nunca comeram, nunca provaram. Acreditaram no meu paladar e ponto final.
Nessa historinha não houve nenhum dano, nem de carência alimentar, mas quantas vezes nossas objeções ou afirmações não são balizadores?

Mas nem tudo está perdido: eu sou L-O-U-C-A por azeitona, roubo de todos os pratos quando vamos comer pizza. Apenas uma delas aprecia também. Acho que consegui incutir-lhes a idéia de que por si, considerando o outro, é sempre melhor. Não ser piolho também esteve nos meus ensinamentos, nada de caminhar pela cabeça alheia.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Macarrão em boa companhia

A simplicidade das coisas me encanta.

Fui convidada para jantar na casa de um amigo. Partilhar da sua casa nova, pelo menos para mim que ainda não o tinha ido visitar após a mudança.

Conversamos na cozinha enquanto ele preparava a nossa refeição. Cheiro bom, senti no alpendre quando cheguei. Molho de tomate, carne à parmegiana, tomate seco, macarrão, coca-cola e bom papo. À mesa, eu, sua sobrinha e ele. Falamos sobre afeição, queijo ralado, vôos, conexões, livros e leituras, peraltices infantis e as lapadas que levamos por conta das traquinagens.

Tour residencial. Quartos, banheiros, despensa, quintal. Um lar. Só possível pela inefável e incontestável presença do respeito, do amor, da amizade e de um casal de cachorros.

Empatia. Esse sentimento faz nosso cérebro funcionar no piloto automático. Não pensamos tanto quanto estamos acostumados, concedemos acesso aos nossos medos, gargalhamos de pequenas coisas, confidenciamos nossas frustrações e alegrias, satisfazemo-nos por estarmos silenciosamente presentes.

A beleza da flor - só possível pelo suporte dos galhos.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Perfil

Sou filha de Tutu e Aparecida. Neta de Jacy Padilha e Socorro. Neta de Antônio Britto e Dulce. Casada com Fernando e mãe de Nanda, Carol e Gabi. Católica. Falo muito, mas gosto mais de escutar. Tive a sorte de ter como guia espiritual na minha infância e juventude Padre Adilson, que me ensinou a beleza de ser sal e luz. Tenho apenas um irmão, que deveria ter sido mais velho do que eu - teria me levado para as festas e me ensinado a dançar. Sou professora de formação e bancária por opção. Gosto do que faço e namoro com artigos sobre educação - quem sabe ainda não serei professora universitária? Sou otimista, perseverante, paciente... Sempre acho que poderia ter sido melhor, ter me envolvido mais, ter melhorado o projeto, ter amado mais... Sou detalhista e responsável. Não acredito em horóscopo, mas tem uma coisa com a qual me identifico no meu signo: sempre vejo os dois lados da situação, sempre pondero o sim e o não, o partir ou o permanecer, sou libriana. Essa análise, quase sempre, é causa de sofrimento. Sou fã de Maria, mãe de Jesus, sua humildade e sabedoria foram os principais atributos, penso eu, para Deus elegê-la como favorita. Tenho saudades da minha infância e tenho saudades de coisas que não vivi. Gosto de cheiro de chuva, do sabor do feijão, de plantar hortaliças, de ver o pôr-do-sol, de andar de mãos dadas(dedos entrelaçados) com meu marido, de sentir o cheiro das minhas filhas e de vê-las dormindo (todas) no mesmo quarto. Gosto do conforto de uma calça jeans velha e de um sapato novo. Gosto do cheiro de livro novo e de ver as marcações de outras pessoas em livros velhos. Gosto de mãos gorduchas de bebês e das rugas das mãos dos idosos. Sou apaixonada por olhos claros.
Sou muito chata quando perco a paciência, minha raiva não passa logo, demoro a voltar ao normal, mas depois não lembro porque estava chateada. Não suporto ficar com meus pés molhados e tenho a mania de lavar meus cabelos. Gosto de roupas simples, sem muitos detalhes. Quase sempre o que está na moda não me interessa. Não gosto de pessoas intrometidas, que perguntam o que não é da conta delas e opinam sobre o que ninguém pediu. Gosto de ouvir o barulho de água 'correndo', seja no chuveiro, na chuva, no rio. Não gosto do percurso da viagem, seria voluntária para uma máquina que me teletransportasse. Gosto de conhecer novos lugares, mas não gosto de viajar.
Gosto de ver fotos antigas. Pessoas retratadas num momento breve. Se vão, mas fica ali, no papel, o olhar: a foto dos meus bisavôs me faz ver a história que chegou até mim. Olhar a foto da minha formatura do ABC, do riso banguela das minhas filhas, da festa de final de ano quando aquela pessoa tão querida ainda estava aqui...
Tenho muitos conhecidos. Não acho que tenha muitos amigos, mas acho que se precisar dos meus conhecidos terei ajuda.
Todo dia, peço e espero começar e terminar minha jornada trilhando os caminhos do Senhor.
Sou Valéria, Neinha, Lela, Lelinha.
Se você me conhece há muito tempo sou Valéria Padilha. Se me conhece do trabalho sou Valéria Britto. Meu pai, minha mãe e minha tia me chamam de Neinha. Meu irmão e meus primos de Lela. Alguns amigos de Lelinha. Meu tio me chamava de Quinha.
Muitas identificações para uma pessoa que deseja, embora muitas vezes não consiga, ser presença de Jesus na vida das pessoas.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sandálias trocadas

Hoje comecei a escrever pelo título. Sempre é a última coisa que faço. Escolher o título.

Na hora do jantar, na casa da minha avó, estava meu pai ainda à mesa quando cheguei do trabalho. Jantando seu tradicional cuscuz com leite, iguaria que só troca por sopa ou macarrão com ovo. Ficamos por lá jogando conversa fora e reclamando do calorão que anda fazendo por aqui.

Ao levantar-se, contou que seu amigo tinha feito o comentário de que a pessoa quando fica velha, sai até com as sandálias nos pés trocados e não nota, ao que lhe respondeu: não foi sem notar, eu calcei assim porque quis mesmo, desse modo não fico trupicando.

Dei uma gargalhada. Como é essa história, painho? E ele trocando e destrocando as sandálias foi explicando que se calçar do modo tradicional o leva a tropeçar muitas vezes e que calçar o pé direito com o calçado do pé esquerdo e vice-versa é muito melhor.

Pronto! Ao contar o episódio a minha filha chegamos a seguinte conclusão: as crianças, na mais tenra idade, já conhecem essa técnica! Todas as crianças de que me recordo adoram calçar seus chinelinhos trocados e por quê? Porque como estão aprendendo a caminhar, trupicando aqui, tropeçando acolá, com os sapatos trocados aprimoram seu primeiros passos.

Pura sabedoria que esquecemos quando nos tornamos convencionais. É uma pena que esqueçamos também de outros detalhes como o riso fácil, a confiança no outro, a camaradagem sem distinção. Nesses casos substituimos o que temos de melhor por ofertas que não nos fazem melhorar.

Vou tirar meus sapatos altos e tomar um banho. Em seguida vou testar a teoria do meu pai calçando minhas havaianas. Deveria ter sabido disso antes de quase quebrar meu maléoro...

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Retinindo

RETINIR - v.i. Produzir som forte, metálico, agudo e repetido; tinir muito, repenicar, ecoar, ressoar.

Usamos bastante essa palavra, eu e um amigo. Na verdade mais ele do que eu.
Para ele tudo fica retinindo:
- se não me ajuda com coisas que não pode ajudar
- se me fala umas palavras que depois acha que não deveria ter falado
- se me traz doce
- se me manda muitas fotos via e-mail
- se não me fala umas palavras que depois acha que deveria ter falado


Já recebo-o sorrindo quando ele diz de longe: Lelinha, uma coisa ficou retinindo...

Coisas que ficam retinindo na minha cabeça:
- a natureza das coisas e as coisas da natureza - a bondade, a maldade, os trovões e os relâmpagos
- a disponibilidade da amizade
- a doação do amor
- a grandeza contida nas pequenas e nas grandes coisas - a vida que pulsa, a vida que estanca
- a imortalidade da alma
- a mortalidade do corpo
- o medo de perder quem eu amo
- o medo de ter medo

Outras coisas também ressoam como um címbalo. A inquietude de minha natureza humana faz retinir minha ansiedade, minhas dúvidas e minhas certezas. Muitas pessoas mais próximas afirmam que acham confortante partilhar comigo suas alegrias e mazelas. Que sou boa ouvinte. De uma coisa sei, se me pedir opinião eu dou. Se não me pedir, dificilmente escutará duras ou agradáveis palavras. Quase sempre consigo manter erguida a tênue linha que demarca a opinião e a intromissão.

Com meu amigo fica retinindo a gratidão por partilhar flores, cereais e sorrisos que enfeitam minha mesa de trabalho nos finais de tarde.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Escolha a alternativa correta

Somos o que há de melhor
Somos o que dá pra fazer
O que não dá pra evitar
E não se pode escolher

Tem um dito popular que costumo dizer quando estamos falando sobre pobreza monetária: só temos duas chances de enricar - uma quando nascemos ricos, outra quando casamos com um rico.
A primeira não deu, nasci numa família classe média. A segunda joguei fora. Fico rindo sozinha...

Quando nascemos não escolhemos quem serão nossos pais, nossos irmãos, se seremos pretos, amarelos ou brancos, se teremos cabelos lisos ou crespos, castanhos, pretos ou loiros. Não escolhemos se seremos menino ou menina. Bom, se temos participação nessa votação o caminho a percorrer durante nove meses faz-nos esquecer de tudo.

E há coisas sem explicação plausível. O que faz um bem nascido decidir atear fogo a um morador de rua? Um empobrecido se dedicar, dizer não à marginalidade, e formar-se médico, juiz, engenheiro, enfermeiro? Uma pessoa fruto de um ambiente que não vive a fé em Deus entregar-se ao sacerdócio?

Feitos da mesma matéria, com dons diferentes. Fico pensando que um pouco de igualdade e uniformidade seria bom, de vez em quando. É como se da mesma roseira brotassem margaridas, sorrisos-de-maria, angélicas, onze-horas e até rosas.

Quando é possível escolher, a grande maioria de nós opta pelo que há de melhor, pelo caminho reto - deixando à margem as vicissitudes, as volabilidades das escolhas vãs.

A simplicidade das coisas nem sempre é a simplificação das coisas. O que é simples pode ser complexo. Escolher a simplicidade é caminho íngreme, há grandes pedras feitas de consumismo, imediatismo, egoísmo - e estão soltas, prontas para rolar e esmagar-nos ao menos um dedinho.

Eu procuro escolher todo dia ser feliz. Falho durante o processo diário de colocar na minha bolsa apenas o que me vai ser útil e prazeroso: me irrito, me exalto, digo não aos que merecem sim e falo um sim sorridente àqueles que não compreendem nada do que está acontecendo, falo coisas que deviam calar, e calo coisas que eu deveria gritar.

Felicidade não se dispõe na prateleira. Não combina com o fast-service da nossa contemporaneidade. Não vem num saquinho, não se esconde nos livros de auto-ajuda. Está mais para obra de engenharia. Começa com um alicerce e vai crescendo, tijolo por tijolo - com a certeza de que vai ser necessária uma reforma de tempos em tempos.

Ironia? Às vezes não temos alternativa - me apaixonei. Meu amor para a saúde e para a doença não veio com uma botija. Como escrevemos no MSN: rsrsrsrsrsrsrs. Não me arrependo. Enriqueci em outras coisas. Sobre isso, escreverei depois.


domingo, 24 de outubro de 2010

Painho e Mainha

Eu falo mainha e painho. Quando tinha uns 6 anos, falava painha mas meus colegas de escola ficavam me zoando e eu mudei a forma de tratamento do meu pai. Se fosse hoje nem ligaria pois o pai e a boca eram meus e eu faria como quisesse.

O regionalismo da língua falada é uma coisa muito engraçada. Eu acho.

A gente fala cantando mesmo. E isso não me incomoda. Não falamos o 'r' dobrado dos mineiros e paulistas. Aqui no interior de Pernambuco as palavras no plural não ganham o 'xis' da capital. Não dizemos uai, nem bah, tchê! Falamos (eu falo muito) oxe! Vixe Maria!

Uma vez liguei para uma central de atendimento para resolver um problema de trabalho. Essa central funcionava em Salvador. A atendente, depois da nossa mútua identificação, fez o seguinte comentário:
- vocês aí do NORTE falam engraçado. Aí é demais, né? Tive que recordar-lhe o básico de geografia: Pernambuco e Bahia fazem parte da região NORDESTE. E não, eu não falo engraçado, eu falo português...

Outra vez, falando com uma carioca, escutei o mesmo comentário, agora com direito a 'r' dobrado, de que minha fala era engraçada. Tive que devolver o 'elogio', dizendo que ela também falava engraçado.

Trabalhei um tempo num centro de processamento que tinha gente de tudo quanto era estado. No meu setor tinha uma cearense. No Ceará e no Piauí o 'di' e o 'ti' se transformam em 'dhi' e 'thi'. Brincávamos com ela, que se identificava como "Lucineidhi", "boa-tardhi" - ao telefone.

As diferenças existem. Brincar com elas é normal, o ruim é quando a brincadeira adquire ares de menosprezo ou discriminação.

sábado, 23 de outubro de 2010

Ágape e ágata

Ágape - vínculo que liga duas almas que se compreendem.
(http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=%C3%A1gape)
Sendo ágape o amor de afeição, é também amor de satisfação.
(http://www.dicionarioinformal.com.br/buscar.php?palavra=%E1gape)

Todas as vezes que leio ou escuto essa palavra me recordo de um papeiro (de fazer papa), que, até então, acreditava eu ser feito de uma material chamado ágata (conforme minhas pesquisas na internet trata-se de um revestimento sintético, pois ágata é um tipo de pedra).

Bom, de qualquer forma a sonoridade das duas palavras faz-me recordar de uma quando ouço a outra.

Adoro papa de maisena. A minha não fica tão gostosa, mas a que minha mãe faz... Espetáculo!

Quando eu era pequena comia todo dia de manhã. Comia 'pelas beiras', papinha morninha, com canela. A lembrança desse ritual me dá aquela quenturinha de satisfação de recordar uma coisa prazerosa. Depois da refeição, escola. Ia caminhando com a boca aberta, o vento entrando e batendo nas minhas bochechas. Minha mãe dizia 'Fecha a boca, menina! Vai ficar com a barriga cheia de vento!'

E eu continuava caminhando com minha boca que engolia vento, imaginando como seria ficar com meu bucho redondo e bem grandão...

Papa é um alimento que demonstra cuidado, amor, zelo. Não conheço quem faça uma papa à toa. Fazemos uma papa para os filhos, para uma pessoa convalescente, para um idoso com dificuldade em se alimentar. Eu faço papa para mim mesma para engolir um pedacinho de felicidade.

Então, num papeiro de ágata faço um ágape alimentar e aproximo minha alma de outra.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Limites

Mesmo tentando ser melhor, às vezes não consigo.
Falta a paciência, o jogo de cintura, a compreensão.
Muitas vezes quero fazer uma coisa e faço exatamente o contrário.
Falo palavras que não quero dizer
Desligo o telefone sem a despedida apropriada
Nego o abraço que meu corpo pede
Vocifero quando devia ficar calada.
A grande vantagem é que identifico meus exageros
E embora não possa voltar atrás
Posso sempre pedir perdão e recomeçar.
Continuo tentando, vou seguindo, caminhando.
Atitudes às vezes são o antirreflexo do que somos
ou mesmo do que almejamos ser.
Serenidade diante dos fatos e acontecimentos
Consciência dos meus limites
- ando buscando todo dia.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Bicho morto ou vivo?


Trabalhar numa instituição bancária é sofrido e divertido ao mesmo tempo. Sou professora de formação porém estou bancária há dezesseis anos e o meu primeiro emprego foi como menor estagiária nessa instituição que completou 202 anos, agora em outubro - o Banco do Brasil.

Usava uma farda azul, calça comprida e camisa de botão. À época tinha acabado de completar dezesseis anos, pesava 56 kg nos meus graúdos 1,78m - em suma era uma vareta, um galalau, de farda.

Tenho muitíssimas boas recordações. Turma animada, quase 90 funcionários, afora uns 10 menores estagiários na mesma agência onde hoje trabalho e faço parte de um quadro funcional que conta com 22 pessoas.

Desse tempo, que foi em 1990, os funcionários estão quase todos aposentados, em vias de pendurar a chuteira ou sairam nos planos de demissão incentivada. Dos aposentados a gerente atualmente sou eu. Estão todos na minha carteira e tem dias que parece que combinam: minha mesa fica arrodeada de 'veinhos'. Eles gostam de mim e eu deles. Não poderia ser diferente pois desde há muito cultivamos a alegria de nos (re)encontrar.

Quando fui menor a única queixa de que me recordo refere-se ao fumo. Quase todos eles fumavam. Ambiente fechado, ar-condicionado e cigarro: roupa e cabelos fedorentos em apenas quatro horas de expediente.

Deixando de lado esse detalhe, o mais era agradável. Esse encontro dos dias úteis se estendia nos finais de semana, na piscina da AABB. Churrasquinho, histórias, cervejas e para mim refrigerante.

Os terceirizados (zeladores, telefonista, estagiários, vigilantes) logo se enturmam. Sempre existe um gracejo, uma piada, uma zoação. Logo estamos como recorda a minha memória dos fatos de outrora.

Mesmo com todo stress diário para conciliar tarefas administrativas, negociais, atendimento telefônico e pessoal, sinto-me em casa. Gosto do que faço.

Hoje rimos à vontade, eu e a nova zeladora. Ela me contando sobre a saia-justa por que passou seu colega de trabalho ao soltar uma "fraudulência" e ver chegar de repente, no mesmo ambiente, o tesoureiro - que lhe sugeriu "afastar os móveis porque deve haver um bicho morto".

- Bicho morto? Pois o bicho morto acabou de subir a escada. E foi para o primeiro andar.

Riso solto. Exercitamos nossos músculos, produzimos endorfina, partilhamos daquela alegria. Cheguei a conclusão de que o zelador, por se encontrar num ambiente em que se vende e compra dinheiro, não pode se dar o direito de soltar flatulências. Ele emite gases intestinais: uma fraudulência explícita em nossos cofres nasais!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Idéias repetidas, mas válidas

Preste atenção no que os outros estão falando
Desconsidere a carga negativa de palavras invejosas
Divida seu lanche, faz bem para amizade e para a cintura
Visite seus amigos e convide-os a sua casa
Estude, o seu conhecimento ninguém consegue roubar
Crie o hábito de ler, um livro pode cruzar as fronteiras
- você pode conhecer novos lugares e novas pessoas.
Faça atividade física moderadamente
Abrace as pessoas que lhes são caras
Divirta-se com uma atividade
- pode ser palavras cruzadas, fotografia, poesia
tenha um tempo só para você.
Seja honesto e positivo
Não aceite meias verdades ou mentiras deslavadas
Se indigne com a miséria, a corrupção, a violência
Defenda o mais fraco que você
- não seja agente causador de opressão
Valorize os mais velhos
- suas rugas guardam histórias e lições
Não rechace conselhos
- se não os seguir, pelo menos guarde-os
Coma frutas e verduras
Não exagere nas calorias
Carregar um corpo pesado é mas difícil que lidar com sua leveza
mas não se preocupe em parecer um faquir
Tenha pelo menos um amigo em quem confiar
Visite seus pais, sua família
Tenha uma plantinha e, se houver espaço, um bicho de estimação
Pratique a política da boa vizinhança
Tenha uma reserva monetária, aprenda a poupar
Não seja avarento, apenas aprenda a priorizar
Reserve um tempo para a oração
Mantenha suas mãos disponíveis
Sua mente ocupada.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Cheiro de lavanda

O que arde e transcende
O que me consome e transforma
Cheiro de lavanda
Cama vazia.
Tenho os olhos cheios de lágrimas
De uma saudade que me escapa
Nas letras que escrevo e
No vazio do teu lugar à mesa.



Informação

Querer não é poder. Ter informação é poder.

E não falo apenas de informação sigilosa, ultra-secreta. Falo de informação banal, como por exemplo, saber como se reduz o som da campainha do seu ramal telefônico no trabalho. Sem essa informação, que só a telefonista tinha no momento que precisei, meu dia teria sido menos agradável - tendo em vista que lidar com um telefone estridente, que não pára de tocar, é o fim da picada do Aedes Aegypti.

Falando sobre esse assunto hoje pela manhã, chegamos à conclusão, eu e meu amigo, que às vezes manter o sigilo da informação ocasiona a manutenção do status quo, do sucesso do empreendimento, da posição de sabichão.

Para a dona da casa de doces mais badalada da cidade, que não tem ajudante, divulgar os pormenores das suas tortas deliciosas pode abrir o precedente para uma temida concorrência.

O professor que não democratiza seu saber, partilhando-o com seus discentes, corre o risco de não ser lembrado como competente. Ao invés disso, será rememorado como o sabe-tudo que não sabia nada.

Informação é poder. Se eu sei e você não sabe, estou em vantagem. Mesmo que eu queira ensinar e você queira aprender, ainda assim inicio alguns passos à frente. Igualdade de oportunidades é um nivelador, porém se por esforço ou sorte alcanço com as pontas dos dedos uma informação importante, abro a janela de frente para o mar.

Socializar, dividir. É assim a base de uma democracia, não é?

Muitas vezes o medo de deixar de ser considerado importante, de ser lembrado como referência, impede que coloquemos em outdoors nossas descobertas e conhecimentos.

Estou pensando, desde cedo, se vou postar a minha receita de torta alemã. Uma das sobremesas que faço e não dura de um dia para o outro na minha casa. Como vou ficar sem meu segredo culinário?

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Dia da Criança

 Art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.


Feliz dia das crianças!

Desejo que possam experimentar essa fase sentindo verdadeiramente o seu sabor. Possam correr, pular e brincar. Dividir o sorvete, o chocolate. Dar as mãos nas brincadeiras de roda. Colocar o pé no chão. Mergulhar, bater braços e pernas num rio, no mar, na piscina.

Ter muitos amigos. Frequentar a escola. Conviver harmoniosamente com sua família. Andar de bicicleta. Sorrir muito. Abraçar sem distinção. Ser criatura inocente.

Viver num mundo que acolha seu crescimento, sem apressá-lo, sem deturpá-lo, sem violá-lo. Ser criança na infância. Porque dessa afirmação decorre a perpetuação infantil de uma alma que sabe enxergar mais do que pacotes e responsabilidades na vida adulta.

A tolerância, a convivência, a partilha. Saber chorar e perdoar, seguir em frente. O verdadeiro sentido da amizade, a valorização da família, o divertimento com o que é possível. Tudo, absolutamente tudo, que somos quando adultos reflete nossos êxitos e medos quando crianças.

Minha filha mais velha costuma dizer que 'tudo é culpa dos pais'. Diz sorrindo, na tagarelice da adolescência. Contudo, se as crianças são caixinhas com massa de modelar, tenho que concordar com suas palavras.

Nada nunca é simples e fácil e para tudo sempre há um jeito e um conserto.

Desejo que a criançada seja feliz. Desejo que os adultos que por elas são responsáveis façam as melhores escolhas. Que as crianças não tenham a sua infância roubada e que possamos ser os fiscais garantidores de que tudo irá bem.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Onde houver trevas, que eu leve a luz

Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvida, que eu leve a fé;
Onde houver erro, que eu leve a verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei que eu procure mais
Consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna.
São Francisco de Assis

Aprendemos essa oração, em forma de hino da Campanha da Fraternidade, no ano de 1983. Eu e minha turma da 6ª série (hoje 7º ano). Íamos à capela do Colégio Imaculada Conceição para ensaiar os cânticos da missa. Bancos lotados de meninos inquietos.

"Não façam barulho! Se aquietem nos seus lugares" - dizia a irmã superiora. Só durava uns 3 minutos o efeito do 'rela'... Ficávamos feito passarinhos arrulhando o tempo inteiro. Amaury Herculano no órgão e lá íamos nós mais uma vez - canto de entrada, ato penitencial, hino de louvor, ofertório, comunhão e ação de graças.

Essa oração de São Francisco, aprendida aos 10 anos, é uma das mais belas, que sei de cor. É morrendo que se vive para a vida eterna. Morrendo para a mesquinhez, para a pequenez. Fazendo morrer o velho homem para que nasça, no mesmo tronco, alma renovada.

Quando eu cantava desafinada, nos bancos da capela, repetia as palavras e as notas musicais, sem entender quão linda era aquela mensagem escrita por um homem nascido no século XII, na Itália.

Fazei-me instrumento de vossa paz. Fazei que eu seja para meu irmão lembrança da tua presença. Que minhas mãos sejam doadoras. Que meus olhos sejam complacentes.Que eu leve o amor, a esperança, o perdão. Que minhas palavras não sejam minhas pedras de tropeço. Que meu discurso seja condizente com meus atos e que meus atos sejam reflexos da vontade do Pai.

Em nossa cidade há uma capela dedicada a São Francisco. Encerrou-se domingo passado, dia três de outubro, a festa do padroeiro. A capela está inserida numa comunidade pobre e que nove séculos depois ainda testemunha o abismo existente na sociedade de capitais em que vivemos.

Ao aprendermos o hino da Campanha da Fraternidade deveríamos ter sido apresentados também à vida de São Francisco: suas obras, suas ações e palavras."Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, em breve estarás fazendo o impossível."

Dos bancos da capela para a vida. De nossas casas para o dia-a-dia. Em nossos trabalhos. Para servir a Jesus não é obrigatório que vendamos os bens de nossos pais, nos desfaçamos de tudo como fez Francisco e tantas pessoas que hoje são modelos de virtude que devemos observar, estudar, seguir. Cada um tem um modo de atender a esse chamado. O certo é que atender ao chamado de Jesus é ato que causa, ou causará, inquietação, sempre.

Ó Mestre, fazei que eu procure mais...




domingo, 10 de outubro de 2010

10/10/2010

Saudade torrente de paixão
Emoção diferente
Que aniquila a vida da gente
Uma dor que eu não sei de onde vem.
Elizeth Cardoso



Hoje é domingo. Nesse dia da foto também era. Ìamos para a piscina. Muito protetor solar porque as peles rosinhas, sem proteção, tornavam-se vermelhas muito facilmente.

De bóias no braço para ganhar tempo - já chegavam se jogando na água. Às vezes não dava tempo nem de se molhar no chuveirão.Algazarra. Muitos 'papai', 'mamãe'... Olha isso e olha aquilo. Quero comer. Quero refrigerante. Não quero sair agora, me segura, me solta.

Amanheci com saudades hoje. Um lindo dia ensolarado. Vou para a fazenda, ajeitar minha horta. Acho que gosto de plantar porque descubro os segredos das sementes. O broto, a primeira folha, a flor, o fruto.

Saudade que aniquila a vida da gente... Temos filhos. Na verdade, geramos nossos filhos e um grande ponto final, porque os criamos para o mundo. Desde quando ensinamos a pegar na colher, aparamos suas primeiras quedas, seguramos em suas mãos. Tudo que fazemos vira legado.

Hoje, numa das doze vezes, durante um século, que ocorre a repetição numérica no dia, no mês e no ano, estou com saudades dos nascimentos, dos aniversários, do cheiro de lavanda, das sandálias cor-de-rosa, das bonecas, das mamadeiras. A minha repetição de saudade é todo dia - sendo bastante ter um tempinho para parar e pensar...

sábado, 9 de outubro de 2010

Doação



Por que devo partilhar?

Nasci numa família onde nunca passamos fome, nem frio. Tive festas de aniversário, passeios memoráveis. Joguei bola, andei de bicicleta, fui à escola. Conheci meu avô paterno e materno, minha avó materna ainda é viva.

Nunca estive numa guerra, não fui sequestrada, maltrada, molestada. Comecei a trabalhar aos dezesseis anos. Aprendi a ser responsável pelo meu orçamento e entendi que não trouxe nada ao chegar e não levarei nada ao partir.

Tive professoras primárias que me ensinaram mais do que estava escrito no planejamento diário de suas aulas. Religiosas vicentinas me mostraram a face sofrida dos pobres e como, doando tempo e recurso, podemos acender-lhes a centelha da esperança. Fui orientada por um sacerdote que é todo para Deus. Tudo ele fez e faz para a maior glória do Criador. Plantou em meu coração a sede de ser sal e luz.

Constitui família. Marido, filhas. Meu lar, minhas plantinhas, meus livros. Posso me expressar livremente. Frequentar minha igreja. Tenho amigos, companheiros de verdade, fiéis.Posso enxergar, caminhar, ouvir, falar. Aprendi a ler. Estive doente mas recebi a bênção da cura.

Tenho a obrigação de partilhar. Um dia partilho um sorriso, no outro um abraço. No outro divido meu sorvete com aquele menino danado do olho 'pidão'. Dôo as roupas que não me cabem. Dôo meus ouvidos aos lamentos e confissões. Ofereço o dízimo. Um pacote de fralda. Um quilo de feijão. Dôo minhas mãos para um trabalho voluntário.

E faço tão pouco... Portanto, por tanto que recebo, tenho e sou, é que devo partilhar.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Educação

Em tempos de concorrência acirrada pela classificação em concursos, vestibulares, aprovação na entrevista para o novo emprego, graduados, pós-graduados, mestres e doutores apresentam diplomas e certificações que muitas vezes não o qualificam como seres educados.

Os níveis de graduação pressupõem a existência de uma pessoa preparada para lidar com as diversidades e também com as adversidades. É claro que, no geral, há mais pessoas educadas, porém causa estranheza a forma rude e descortês utilizada como padrão em determinadas situações.

Os bancos escolares deveriam servir como reforço de uma educação recebida primariamente no seio da família. A urgência desses nossos dias tem impedido que sejamos mais vigilantes com o que aprendem nossos filhos.

Se por um lado somos mais tolerantes, suportando desobediências e afins, tornamo-nos intolerantes com o tempo e a consequência dos fatos.

Quando eu era criança ouvi muitas vezes a instrução de que "quando um burro fala o outro baixa a orelha". Lição simples para ensinar que cada um tem a sua vez.

Educação não é apenas nível de instrução, conhecimento adquirido. É também molde para polidez, solicitude, atenção. Um adágio popular apregoa que educação vem de berço. Em muitos casos é verdade, porque além da índole vem o exemplo. Mas a educação vem também da escola, do trabalho, da pracinha, do hospital - da convivência e da observação.

Aprendemos a ser educados. Aprendemos todo dia. Mesmo depois de termos deixado os bancos escolares e ainda que não os tenhamos frequentado.

Cobrar mais do sistema de ensino. Orientar como devemos nos portar. Treinar a gentileza como parte da educação. Bom-dia, com licença, respeito à fila e aos mais velhos, ouvir com atenção, cumprir horários.

Tudo isso escrito porque graduação, bom emprego, cabelos arrumados e salto alto não impediram uma senhora de tratar grosseiramente a pessoa que lhe servia. Da cena retirei as palavras polidas dirigidas pela pessoa com menos grau de instrução: bom dia, a senhora, desculpe mas não posso.


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Prateleira de cima

Observei hoje ao vir para casa - moro numa ladeira, no pé da serra - um senhor com seus setenta a oitenta anos. Subia com dificuldade, coluna encurvada, seu corpo formando um ângulo agudo. Vinha devagar, como convém à idade.

Fiquei pensando, mais uma vez, em como a natureza é sábia.

Quando crianças temos um corpo flexível, uma disposição que não acaba nunca. Quanto mais obstáculos, melhor. Pulamos, corremos, escorregamos, saltamos num pé só, rolamos. Achamos terrenos regulares um troço muito chato. A muito custo sentamo-nos para ler o livro paradidático da escola. Nossa alma não tem as inquietações filosóficas do mundo, não passou ainda pelo fogo transformador das escolhas do crescimento. A inocência e a despreocupação não lhes dá flexibilidade.

No corpo flexível habita um espírito pequeno, tenro, porém sem a maleabilidade da vida vivida, sofrida, amada, abandonada.

Naquele idoso que encontrei acontecia exatamente o contrário: seu corpo curvado, com a mobilidade comprometida, guardava um espírito ginasta, adaptável, liquefeito. Seus olhos falavam das certezas e das dúvidas de quem sorveu a vida e proporcionou o crescimento ao espírito.

Não devíamos desejar nada que não fosse natural. Cada coisa em seu tempo: menininhas de vestido cor-de-rosa e saias curtinhas; senhoras com a sobriedade que lhes confere o tempo. Rapazes e moças numa diversão sem fim nas suas baladas, gastando a energia em escrever histórias para contar depois. E com isso não afirmo que os idosos devam ficar em cadeiras de balanço. Contudo não corroboro com a meninice de senhores e senhoras que agem como seus netos. Vitalidade e atividade? Sim. Frivolidade e infantilidade é que andam corroendo as estruturas dos adultos do século XXI.

Foi-se o tempo das vovós de cabelo em coque e dos vovôs que só iam até a praça jogar dominó. Viva! Viva! Hoje vão aos bailes, à praia, se exercitam nas academias, viajam. Estão vivos! Que bom que houve essa evolução.

Minha crítica fica para quem esqueceu que a vida passou por si. E quer permanecer um adolescente, extasiado diante da mesma atitude. Não deu e nem quer dá um passo à frente.

Alma e corpo. Flexíveis. Maleáveis. A alma continua crescendo, mesmo quando o corpo se curva e a mão já não alcança mais a prateleira de cima.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Orelhas

Aos 10 anos, crescendo ao redor da orelha.

Tomei poucos banhos de chuva. Certa vez estava na praia, acampando, e caiu uma chuva torrencial, dessas que chamamos por aqui de toró. Minhas orelhas são de abano e a água derramada em seus pingos grossos batiam com força nelas. Não me lembro de ter sentido outro incômodo que não nas minhas orelhas...

Eu corria do mar para a terra, e vice-versa. Meu modelo auricular, aerodinâmico, estilo Dumbo, fazia parte daquele momento de alegria.

Nossos narizes e orelhas seguem crescendo... Na minha família quase todo mundo é orelhudo e narigudo. Como herança de pobre é genética, eis-me aqui, orelhuda!

Por meio delas: cochichos, segredos, histórias, piadas, barulho, silêncio, música, preces, mentiras, verdades, revelações, nascimento e morte, gritos. Por meio delas mostramos um pouco do que somos. Talvez sejam mais ou menos usadas. Podemos ser ótimos ouvintes ou grandes falastrões. O exercício de fazer a alma escutar os desejos alheios (e os seus próprios) desnuda as palavras filtradas pelos ouvidos.

A amizade não sobrevive a orelhas que não escondem ouvidos atentos e disponíveis.

Naquele dia de chuva aprendi que às vezes a dor vem junto com a alegria. Não lembro de imagem que melhor traduza essa afirmação do que a do pássaro que sai do ninho, em seu primeiro vôo.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Tramela

Tramela. Para fechar, para trancar.
A mesma tramela para abrir e libertar.
Fecho a porta, nuvem escura
Abro a janela, dia claro, cheiro de terra.
A mesma tramela
Que prende minha tristeza
Liberta a minha agonia.
Uma tramela na porteira
Uma tramela na cancela
Uma saudade encerrada no peito.
Numa peça de madeira
A poesia da escolha.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Se eu fosse um biguá


Se eu fosse um biguá...
            Meu nome seria Biguá, com b maiúsculo como convém à regra gramatical. O significado do nome traduz um traço físico - mbiguá - pés penugentos.  Pertenceria à pomposa  família dos Phala crocorax brasilianus.
            Provavelmente como ave eu seria como na minha versão humana – a maior de todas. Teria pernas e asas compridas e meu cantar seria bem agudo. Também viveria em bando – necessitando das imperfeições alheias para bem conviver com as minhas.
            Gostaria de peixes e mergulharia um sem-fim de vezes procurando as escamas mais brilhantes para saciar minha fome. Como um pássaro engajado teria grande dificuldade em lidar com a exploração da minha habilidade de exímio pescador – cena insuportável ver meus irmãos de argola no pescoço, na escravidão que só os homens sabem impor sem piedade. Quem não tem piedade é cruel.
            Seria um biguá revoltado caso passasse de pássaro à vara de pescar. Minha cara estamparia a tristeza da resignação, um cenho franzido, cheio de marcas profundas causadas pela impotência de resolver a situação.
            O menor oprimido, como a ave argolada, não tem altivez, caminha de cabeça baixa, cantarola um sonho interno de se ver libertado, de ser libertário. Contudo, o opressor é mais forte, insensível e egoísta – apenas a meta importa.
            O biguá livre é como o pecador absolvido pelo Senhor – tudo é céu e eternidade. O biguá argolado, como os escravos do Faraó – ansiando por nova terra e novo céu.
            Se eu fosse um biguá... Queria ser uma ave completa – livre, linda e louca. Louca não dos meus sentidos, mas das minhas vontades – voar por onde quisesse, pousar onde bem entendesse, pescar quando estivesse com fome e – imprescindível - engolir minha pesca.
            Se eu fosse um biguá, sendo criatura e ave de Deus traria comigo pedaços de muitos céus e campinas bem verdinhas. Não quereria estar no Rio Vermelho, refém de um senhor de olhos puxadinhos – no corpo e na alma – que me pusesse adornos.
            Talvez se eu fosse um biguá eu quisesse ser outra ave – um cancão, uma rolinha, um tetéu, uma asa-branca ou até um guiné (que grita ‘tô fraco’ para esconder sua fortaleza).
            Se eu fosse um biguá argolado, acuado e tristonho, com olhos vazios de alegria e cheinhos de desejos – seria infeliz,  porém com certeza teria do meu lado um amigo passarinho – um beija-flor ou um lourinho – cantando sempre uma pergunta: - e se você fosse gente? Lanço o desafio...


domingo, 3 de outubro de 2010

Pensamento


Num só galope
Meu pensamento
Rumando ali, adiante
Fora de mim.
Passam mulher e menino
Cachorro magrinho
Farda e escola.
Não me acompanha
Tem vida e vontade.
Chamo por mim
Meu pensamento não me ouve
Fugindo adiante
A procura do cheiro da infância
Do carro do meu avô
Dos domingos ensolarados
Da pálida beleza das noites escuras – eu sentada na calçada
Pertença alheia que tenta agarrar o que já foi
E, triste, não pode voltar
A ser
A menina da goiaba verde
Da bola no meio da rua
Da missa às sete da manhã
Da inocência, da crença no mundo inteiro
Meu pensamento?
Viola dedilhada
Florzinha no jardim
Meu pai enxugou a minha lágrima
Sou eu que estou comandando a minha vida
No entanto meu pensamento...
Vai e volta
No portão, na esquina, no calçamento de paralelepípedo
No livro de literatura
Rumando ali, adiante
Sinal vermelho. Abriu. Sigo em frente.
Pensamento?
Na festa em que fui do senhor do meu coração.

sábado, 2 de outubro de 2010

Eu no mundo

Muitas coisas estão em mim
Anseios, amores
Olhares, quereres
Silêncios e gritos
Estradas e abrigos
Pensamentos, palavras
Digitais, cores
Penumbra e luz
Anjos e tentações
Muitas coisas fora de mim
Olhos e boca - sentimentos
Mãos e braços – cansaços
Vestes – vaidades
Corpo desnudo – paixão
Pernas e pés – caminhadas
Coisas que ousam em mim
Crescer, florescer
Enrubescer
Empalidecer a face
Surpresas
E desatinos
Coisas que pulsam em mim
Sem controle
Encaixotadas e empilhadas
Esparramadas por debaixo da cama
Voando por sobre a casa
Todas as coisas e eu
Num desassossego planejado
Buscando seus lugares
Elas em mim
Eu no mundo.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Confessei o meu amor


No perfil do meu rosto
As marcas das certezas biológicas
E das incertezas impacientes de viver.
Fitando o amanhã indiviso
e pensando entre o desalinho dos meus cabelos
surgem brotos de vontade que não posso controlar.
Revisão de um passado recente
Cronológico, analógico.
No ar a fragrância de notas amadeiradas
Camisa usada, manchada com batom
Das horas em que confessei o meu amor.
Em minhas mãos, sinal do tempo,
Doação e doçura
Rigidez e candura.
Notas musicais, lembranças do desfalecer-me
Na maciez do seu abraço.
Exalo cheiro de lavanda.
No meu corpo solitário
Revela-se a sua presença
Pois que sou toda pensamento
Ilusório
E com meus olhos côncavos
Releio minhas palavras
E com minhas palavras
Reflito minhas palavras
Superfície sem arestas
Não tenho onde esconder-me
Sou eu, no perfil do meu rosto
No meu rosto, sou gosto
Sou tosca e elegante
Sou sua amante, presença constante
Tempo morno, verão
Completa felicidade das flores regadas
Nos vasos esparsos
Disposto no meu quintal
Tenho tantas palavras
- uma grande subtração –
Sua ausência no reflexo que vejo agora.