quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Flor da urtiga




Onde se esconde a flor pequenina?
A flor da seca do sertão
A flor menina de paixão?
Guardada no espinho, escondida do mormaço
do dia
e da tarde
deste verão das algarobas e do céu azul.
E ela, formosa dama, não se avilta ao tempo
dá-se perfumosa e delicada aos olhos que a contemplam.
A estrada não é caminho
ao seu encontro devemos ir no aceiro estreito e esturricado pelo sol.
Flor do cantador, do poeta observador.
A flor da urtiga, ornada de espinhos
Como o Cristo naquela tarde quente.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Você que me faz feliz

Melodia de acordes sutis entre meus cabelos
E meus olhos que exultam em encontrar os seus.
Esparramada ao seu redor,
Florida, aberta em pétalas
Colhida em buquê para enfeitar a sua cabeceira
Moída em grãos de café para perfumar sua boca
Banhada em alecrim e sálvia para receber seus beijos.
O meu coração que tamborila junto ao seu
e acelera minha respiração
Anseia em ter você, que me faz feliz.

(Para ler escutando Marisa Monte) clique 

A chuva não faz de mim água

Se eu sigo sempre em frente?
Existe outra alternativa?
Posso escolher ir mais rápido ou mais devagar
Aproveitar os finais de tarde ou adentrar na noite,
sem sentir a beleza dos raios de sol adormecendo.
Posso seguir pelo caminho da direita ou da esquerda
Sorrir e repartir, chorar e repartir
ou simplesmente sofrer sozinha.
Posso subir os montes, as ladeiras
ou descer os vales e atravessar os rios
Ler poemas tão lindos que me façam suspirar
e sentar-me silenciosa, aos pés do altar.
Não quero outra alternativa
porque fui feita para seguir em frente,
e acreditar no melhor
Ainda que, pelo caminho, encontre urubus e não beija-flores
lágrimas e não sorrisos
céu nublado e não lindas auroras.
A chuva não faz de mim água.


domingo, 26 de fevereiro de 2012

Há de haver caminho

Me preocupa a noite que adentra
E assobios não audíveis em meus ouvidos quase adormecidos
Nada é mais distante que o horizonte
E nele se deitam o sol e nuvens vermelhas
como damas de batom encaminhando-se para uma festa.
Me preocupa eu não saber nada de música
e querer encontrar notas e melodias nas flores campestres
que encheram meus olhos logo cedo.
Dos amigos trago os sorrisos
dos meus amores todos as cores e até as suas dores.
Me alegra ser noite escura
ser dia claro
ser amante e amada.
No limoeiro apenas as folhas
e pelo chão inteiro as flores caídas
como os anjos descidos para nos acompanhar.
Me preocupa a insônia do mundo
e o sono que entorpece meus dedos - embaralhando as letras e as palavras.
Preocupa. Ação.
A desculpa para não ficar parada.
Vou em busca do meu amor, na rede.
Em seus braços vou depositar, sem que saiba,
a felicidade e a apreensão de viver
- porque enquanto vamos, há de haver caminho.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Pingo d'água. Rima minguadinha.



Queria saber fazer verso rimado
para dizer o que encerra um pingo d'água
Mas a minha rima é fraquinha
bem minguadinha.
No entanto minha vontade de responder ao desafio
Ah! Essa me consome!
E fico pensando em quanto desatino, prumo e desassossego
Cabe numa lágrima escorrida - pingo do olho
Num rio desaguado - pingos para o mar
Numa cumbuca ao relento - pingos da chuva.
Neste mundo de meu Deus,
meu amigo desafiador,
o pingo não encerra a dor
não guarda rancor
traz enredado, incólume e multicor, o reflexo daquela flor,
daquela lua, daquele amor.
Salpicado ao longo das nossas costas,
Tremeluzindo estrelas fugidias
Mostrando em suas parcas retinas a imensidão do agora:
O pingo d'água, sem rima, encerra nossas paisagens, meu amigo.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Linha e agulha

Na poesia agulha e linha para emendar os olhos separados
E bordar, cores vivas, nos caminhos andados
Coser os silêncios nos dias de tribulação
e as alegrias dos reencontros.
Agulha e linha para pontear as amizades,
Unir as mãos amorosas e os pés calejados.

"Le_____".
Se você não consegue ler, significa "LeLINHA", que sou eu.


Puritana

Talvez ao terminar de ler, você diga: puritana, quer ser a certinha. É talvez eu queira mesmo. Tem umas coisas de que não gosto como falsidade, falta de banho, intromissão, mentira, palavrão. Não gosto de palavrão e proferi-los é quase que uma obrigação para quem quer se expressar de forma contemporânea, atualmente.

Expressões como 'eu gosto bastante', 'bonito que só', 'que bagunça é essa?' foram substituídas por 'carai', 'putaria', 'puta que pariu' entre outras.

Outro dia comentei com uma amiga sobre a possibilidade de quando eu estivesse bem velhinha vir a dizer palavras que me recuso, hoje em dia, pela perda do senso.

Desculpem-me por não querer entupir os seus olhos e seus ouvidos com vocábulos tão modernos, por ficar doente, literalmente, com mentiras, por ter enxaqueca com 'fedor de suvaco'. Sei que é chato ser assim. Mas eu não sou obrigada a partilhar do que não me interessa.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Efervescendo. Em braille.

Efervescendo ficam as palavras em mim
Todas elas:
as que falo, as que escrevo, as que penso e também as que calo.
Sempre me consomem e me formam,
me erguem e me isolam.
Derramadas e ajuntadas.
Meditadas e vociferadas.
São como eu (e você): calma e tempestade.
Minha alma escriturada, minha pele tatuada 
Tudo em braille que é para ficar de difícil acesso. 

Flores embaixo de patas

Fazer a nossa parte nem sempre, ou quase nunca, é suficiente. Essa afirmação não quer demonstrar indignação, nem protesto. É somente uma constatação.

Cada um de nós tem um ponto melindroso. E também um ponto de saturação. Descobrir os nossos e respeitar os dos outros é como a chave para descriptografar o livro de segurança de acesso para aquela estrada que só parece se abrir depois de termos escolhido a entrada que não nos leva até ela.

Gentileza e cordialidade nunca sobram, sempre cabem em situações adversas. Mas de que adiantam flores embaixo de patas?

Pensemos: a beleza está em partilhar o resultado ou em alcançá-lo? É ser responsável por sua parte ou admoestar o outro por não fazer a sua? Buscar aglutinar ou bradar e dissolver o que não está dando certo? 

Vimos ao mundo sem manual, sem livro de receitas, sem bula. O que não nos isenta de causar reações adversas e choques anafiláticos. Conviver deveria ser, no dicionário, sinônimo de sobreviver.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O silêncio e o escuro

A experiência de sobreviver ao silêncio. Sim. Porque o silêncio é um caminho onde gritam o auto-conhecimento, as lembranças guardadas. É onde ficam as pás com as quais escavamos nossas rugas.
O silêncio e o escuro: antagonicamente nos revelam nossos maiores gritos não proferidos, acendem as luzes cujos interruptores não sabíamos mais onde estavam.

O vazio do silêncio - difícil de ser mantido.
Também o escuro. Suficiente centelha é suficiente para desmanchá-lo.

Umbuzeiro

A sombra derramada do umbuzeiro:
- sob ela estava eu.
Espraiavam-se de mim saudades dos seus olhinhos.
A estrada que lhe levou
O vento que balançou o verdume daquelas folhas
O ar quente, de um dia de verão.
Como pode tanta ausência tornar-se assim, presente?

http://www.cnip.org.br/bdpn/fotosdb/1648142029.JPG



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Seiva e sangue

Ela sozinha na paisagem
Sua solidão é poética e atrás dela o pôr-do-sol, diariamente.
À sua sombra talvez nunca haja ninguém
ou talvez, quem sabe, um andarilho a procura do que ela já tem:
Paz e certeza da missão que veio a cumprir.
Chamou-me quando passei ao seu lado
Imaginei-me junto a ela, no final do dia.
Sua seiva e meu sangue
Nunca antes próximos, agora se correspondem.
A árvore imponente e altiva
A minha alma leve querendo o meu corpo disponível para seu deleite.
Era só um começo de tarde
Mas os meus olhos se punham no horizonte, espraiados como os galhos daquela árvore.

Por Elmário Ribeiro