quinta-feira, 31 de maio de 2012

Causa da nossa alegria

Sei que há, em mim, coisas a mudar. Sou imperfeita, mas fui feita à imagem de Deus. Talvez o que eu vou escrever logo em seguida seja entendido como um julgamento. Escrevo como observadora.

Há gente que vai à missa todo dia (ou quase). O que é louvável porque missa é um pedacinho da missão e a rememoração do sacrifício Daquele que tornou-nos passível de resgate. Hoje foi a última noite do mês de maio, mês dedicado a Maria - o sacrário vivo de Nosso Senhor Jesus Cristo. A igreja estava lotada e não havia lugares disponíveis para toda a gente que se encontrava na celebração. No geral, sempre há pessoas que apertam daqui e dali e acenam chamando para sentarem os que se encontram de pé.

Foi o que aconteceu hoje. Quando cheguei uma senhora apontou-me um lugar no banco detrás de onde ela estava. Aí eu achei interessante: uma das pessoas 'torceu a cara' quando me aproximei. Os outros fiéis afastaram cordialmente, ela não se moveu. Sorrindo, pedi: a senhora pode ir mais para lá, só um pouquinho?

Sem vontade, mas 'coagida', resmungou que tinha que retirar o óculos que estava posto ao seu lado. E assim surgiu um assento para mim.

O evangelho de hoje (Lc 1, 39-56) falava da disponibilidade de Nossa Senhora para ajudar: pôs-se a subir a montanha para ajudar sua prima Isabel, idosa, grávida de João Batista. O padre ressaltou em sua homilia que ama a Deus aquele que se dispõe a ajudar o próximo. E não se trata apenas de ajuda financeira e material.

Um coração gentil e generoso deve compreender que pernas cansadas são mais importantes que o descanso do seu óculos de grau. Talvez a senhora estivesse com muito calor e não quisesse que houvesse mais 'aperto' junto dela. Só falo do que vi (e senti).

O versículo 53 foi o que mais me chamou atenção hoje: Encheu de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias. Os famintos não são os pobres de bens, são os que anseiam por conhecer melhor a vontade do Pai e querem fazer o seu melhor para que o reino se instaure ao menos na vida a que têm acesso. A esses Deus enche os corações de alegria, esperança e fé. Os ricos são os soberbos, os repletos de coisas que atravancam suas vidas, os que não enxergam os outros porque seus olhos estão cheios de ciscos e maus hábitos, a esses, Deus os despede com as mãos na mesma situação: vazias.

Poucas vezes ponho o título daquilo que escrevo, antes de escrever. Não dessa vez. Maria é a causa da nossa alegria. Cantamos para ela na ladainha: porta do céu, estrela da manhã, saúde dos enfermos, refúgio dos pecadores, consoladora dos aflitos. Ela não é Deus, mas é a mãezinha do Nosso Senhor. Para terminar, peço:  Maria, causa da nossa alegria, rogai por nós, que recorremos a vós.




Tão solitária sem ti

Ouço teus passos dentro do meu peito
Tão solitária sem ti!
Estes passos de pés descalços
ritmados (e tão distantes) dentro de mim.
O amor é capaz de certas coisas
- disfarça o som do meu coração.

Quando reencontrar-te, fora de mim,
serei flores abertas e perfumadas
campina verdejante - como gostam os passarinhos.

Ouço teus passos na ponta dos meus dedos
Tão solitária sem ti!
Estes passos de pés descalços
escritos em letras urgentes num papel achado.
O amor é capaz de certas coisas
- transforma o meu coração.


quarta-feira, 30 de maio de 2012

Lobo em pele de cordeiro

Quando faltam as palavras
e um abraço não cabe.
O que se faz?
(A dor do vazio da descoberta).

Apunhalar com palavras doces 
e olhares sutis
- lobo em pele de cordeiro.

Conheci alguns,
mas não os reconheço à primeira vista
(sempre conseguem me surpreender).

 Imagem em carolsoueu.wordpress.com

terça-feira, 29 de maio de 2012

Hoje eu quero um passo

Hoje.
Hoje eu quero um passo
somente um passo para não ficar no mesmo lugar.

Pés que murmuram estradas
passos que rememoram um outro eu
lugares que desejo voltar.

Hoje sabendo onde estou
desejo um passo
-não posso ficar no mesmo lugar.

No pó do caminho
desmancho minhas saudades
enrosco meus olhos na imagem da tua janela.

Distante. Distante.

Hoje.
Hoje eu quero um passo
um compasso de dança
que remende meu coração infante.

Hoje.
Hoje eu quero um passo
somente um passo para não ficar no mesmo lugar.

Derramar minha saudade no aceiro
meu amor à sombra do juazeiro
e haveremos de ser
eu e meus pés
companheiros nas noites.

Andarilha a minha alma
a minha calma, a minha palma
da mão.

Horizonte. Adiante.

Hoje.
Hoje eu quero um passo
sem viés e pela calçada

para as minhas pernas trêmulas encontrarem tuas sandálias.

Vincent Van Gogh - O Jardim do Poeta, Outubro de 1888

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Papel toalha

A convivência faz com que aprendamos hábitos alheios. Pode ser tomar chá, bebida que nunca havia feito sucesso no final da noite. Ou leite morno com um pouco de canela. Tomar banho com os pés calçados, estirar os tapetes, organizar as gavetas, ligar para dizer apenas oi, passar rímel, apreciar flores e passarinhos, ler autores budistas, observar sombras em fotografias, apreciar off-road, comer sushi.

Para estreitar laços abrimos mão de algumas coisas e abrimos nossos caminhos, esperando e ansiando encontrar mãos estendidas e sendas (estreitas às vezes). Aprendemos a ouvir música clássica e brega rasgado, ainda que nossa preferência seja MPB. Vamos à feira e lembramo-nos de comprar jaca com aquele cheiro insuportável porque aquela casca grossa nos recorda que a visita de hoje à tarde adora essa fruta. Lemos aquele artigo sobre yoga para comentar os benefícios com aquele amigo que é fissurado nesse exercício, enquanto o balançar da rede é que é nossa especialidade.

Uma simbiose acontece quando nos relacionamos com maior profundidade ou maior frequência. A relação pode ser de amor, de amizade, de coleguismo. Aprendemos novas palavras, novos posicionamentos, dividimos paladares e opiniões, rechaçamos alguns maus hábitos e incorporamos ao nosso ser um pouquinho do ser alheio.

Usei duas folhas de papel toalha como anteparo ao chá que levei à sala para meu marido tomar. Nada demais se não houvesse lembrado do comentário do namorado da minha filha sobre nossa superutilização deste item - um observador que foi arrebatado pela convivência: confidenciou-me que havia comprado papel toalha em sua feira.

Imagem em valiososilencio.blogspot.com.br

domingo, 27 de maio de 2012

Manufatura de amor

Se tu vieres e me quiseres como pássaro a beijar a flor
serei feliz e deitarei no teu colo para olhar as estrelas
cantando uma canção de amor.
Sei que é certo te querer:
em mim há tanto, tanto de teus passos.

Parece verso rimado
mas tudo é uma explosão de cor
entre nós dois, entrelaçados mesmo quando distantes.

Sou estrada, chuva, sol
Pérola e grão de areia
e sendo tudo, sou toda para ti.
Penso em tuas mãos nas minhas
- manufatura de amor.

Imagem em marilustra.blogspot.com.br

sábado, 26 de maio de 2012

Espinhas dorsais

A noite engolia o dia
e eu balançava os galhos das árvores
com meus pensamentos errantes - na praça.
Era uma noite com boca faminta e devorava minhas entranhas
e cuspia as espinhas dorsais nos canteiros de manacás.
Era eu que comia a noite
e dentro de mim as estrelas faziam cócegas.
Era eu que amanhecia entre aquele arvoredo
- lume de estrelas guias
Em meus olhos, amores amadurecidos faziam brotar os dias:
para alimentar a noite.

Manacá, de Tarsila do Amaral

Janela aberta

Por cima dos telhados: os gatos
E eles levam em suas patas os pensamentos de além-mar
- dos moradores.
Minha cabeça anda cheia de sentimentos
- coração nem cabe mais.
Além daquela estrada há uma janela aberta
- é nela que minha alma se debruça.

Imagem em ocangote.blogspot.com


sexta-feira, 25 de maio de 2012

Para uma vida inteira

Uma canção de amor para uma sexta-feira
para uma vida inteira
Flores postas nos teus olhos de céu
Rosas, pequenos cravos e boninas brancas.
A rede pendurada - não temos varanda
a saudade tão apertada...
Um amor sincero para uma sexta-feira
para uma vida inteira.
Descobrir dentro dos teus olhos
o esconderijo, o refúgio
o fim de todo breu.

Imagem em meme.yahoo.com


quinta-feira, 24 de maio de 2012

Vontade de jovem

Os sorrisos mais sinceros
A crença de que tudo no final vai dar certo
A mão estendida
A calça jeans surrada
A sutileza da companhia desinteressada
Os pés descalços e a cabeça nas nuvens
A miudeza das letras nas capas dos cadernos
Tudo é aprendizagem mas parece que de tudo já se sabe:
A beleza da vontade de jovem, querendo abraçar o mundo.

Gravura de Romero Britto

Flor colada no peito

A saudade é como melodia saída de um piano
versinhos rimados com lados, passados
cadernos rabiscados.
Luz que cega, vento emaranhando os pensamentos
sentimentos enovelados, escondidos nos braços do sofá.
Olhos insones, dedos impacientes,
corpo sem descanso de abraços.
Uma estrada que não cabe o caminho,
uma flor colada no peito.
Palavra indizível que insiste em morar nos meus lábios.


quarta-feira, 23 de maio de 2012

Dona Quitéria

Tem uma atitude que preciso tomar, com brevidade, com relação a fazer visitas. Sou péssima em fazer visitas. Morro de saudades das pessoas, lembro delas com frequência, rezo por elas, mas não vou até a casa delas. Sempre foi assim, desde o tempo que eu era solteira.

O tempo passa muito rápido depois que começamos a ter responsabilidades como estudar dois horários; conciliar trabalho e faculdade; conciliar crianças, casa, marido e trabalho. É uma maratona conseguir uns minutinhos para ler, para cuidar do jardim, para escrever no blog.

Certa vez li um artigo que trazia uma imagem do tempo: um velho, de barbas longas, com cara de cansaço, olhos enigmáticos de esfinge vociferando decifra-me ou te devorarei. As palavras do texto diziam algo referente a valorização do tempo, ao parcelamento parcimonioso entre atividades prazerosas e outras que possibilitariam a manutenção da qualidade de vida tão esperada por toda a gente.

O desenho que gostaria de fazer, se soubesse, seria de uma criança em movimento: rápida, esperta, ansiosa. Sem exitar, deixa de lado o brinquedo antigo e se encanta com os botões do controle do joguinho novo. Ao mesmo tempo que é toda sinceridade traz nos seus olhos uma crueldade pueril por não saber de si e dos seus próprios encantos.

Eu vou deixando a visita para depois. A visita alegre pelo nascimento do filho, a de reencontro com os amigos de toda uma vida, a da mudança de casa, a visita de consolo num momento de despedida ou doença. Tenho que mudar urgentemente esse mau hábito porque me dói desejar ter caminhado em direção àquela porta por que passo todos os dias e não ter entrado e dito, alegremente, que era muito bom estar ali.

Tenho que ensinar ao meu tempo que ele já não é a criança que conheci e apresentá-lo as docilidades que só a presença e as palavras, amadurecidas, muitas vezes são capazes de proporcionar.

Hoje, 23 de maio, é aniversário do meu irmão. Amanheci feliz com isso. Contudo, entristecida, no começo da noite, fiz uma visita  a dona Quitéria - ao corpo dela, inerte no meio da sala. Aquelas mãos cruzadas sobre o peito, com o terço enroscado entre os dedos, já prepararam bolo de milho e fava com charque para mim. Quando ainda estava com saúde, sentada em frente de casa, gritava: - para onde vai, desocupada? E eu perguntava pelo gato, pelo meu feijão, quando ela ia fazer bolo de caco e falava da minha horta. Pensei muitas vezes, nessas últimas semanas em entrar na casa dela e dizer um oi. Não fui.

Preciso encontrar um compasso mais adequado para a minha dança. 

Num mesmo dia podemos estar alegres e ficar tristes. Num mesmo dia podemos fazer alegres e ficar mais felizes. Espero não esquecer dessa lição (que eu já sabia).

(Dona Quitéria esteve presente, desde que eu possa me recordar, na mesma rua que morei até casar-me. Tinha um banco na feira e era casada com seu Lulu. Criou seus cinco filhos. Era feliz e tinha uma risada gostosa. Amava gatos. Tenho certeza que está conversando com Nossa Senhora - agora e para sempre).


terça-feira, 22 de maio de 2012

Muitos amores

Eu tenho muitos amores
Amores lindos que me enchem de luz e sombras
de esperanças e de esperas
deitados nas minhas pautas e nas cordas dos violões alheios.
Eles habitam sobre os telhados e nas camas ao lado
em janelas de diferentes alturas,
no norte do país.
Eu tenho muitos amores e creiam
a nenhum cabe-me a pertença:
são raios de sol
entram onde querem e eu permito.
Tantos amores me fazem uma pessoa feliz
nas noites que a vida me obriga a atravessar.
Eu tenho muitos amores.
Muitos amores de olhos ávidos de mim
e de abandono momentâneo.
Eles velam por mim
e eu pergunto por seus suspiros e odores.
Tantos, tantos, muitos amores.



Frouxidão

Ser toda feita de amor
faz ficarem moles as extremidades
e essa frouxidão termina por deixar partir
o que não conseguimos mais abraçar.
Para tudo deve haver limites.

Imagem em precisocaminhar.blogspot.com.br

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Os meus jardins

Cresço dentro de uma caixa 
- nela há um rótulo escrito: vida.
Vejo suas pupilas dilatadas
e meus olhos úmidos de tristeza.
Sinto o silêncio das madrugadas
e o peso da saudade no meu peito.
Não sei mais esperar.
Duvido das palavras
Passo de passarinho a gaiola
- fui presa e fiz prisioneira a vontade de voar.
Aprendi a gostar de pimentão.
Mudei meu paladar
Mudei minha estrada.
No varal estão penduradas as roupas 
No varal ando pendurando meus pensamentos
As flores dos vestidos são os meus jardins.

Imagem em ofabulosomundodemim.blogspot.com.br

domingo, 20 de maio de 2012

Meia hora

A noite é um bicho estranho
e as pessoas são noites
Acreditar que nas noites há estrelas
é incongruência de nossa parte
porque na verdade há noite nas estrelas.
Em meia hora dá para descobrir.
Acreditar e descobrir são verbos antagônicos
e entre eles há muito escuro.

Imagem em georgemdia.blogspot.com.br

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Parece estranho

Tenho saudades do que já passou
e daquilo que não vivi.
Pode parecer estranho
mas pensando bem,
não estamos também naquilo que desejamos?
Antes da concretude dos fatos
não houve antes a presença do nosso projeto?
Tenho saudades do que tive
e do que sou
- agora mesmo não sou aquela que recém-escreveu -
nas entrelinhas ficou um pouco de mim.

Imagem em roubandosorrisos.blogspot.com.br

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Palavras duras

Queria trazer a poesia para os vazios da vida
para encher os silêncios
e calar as palavras duras
e os atos desmedidos.
Sendo feita de sombra e luz
desejava tão somente saber abraçar
e afagar a cabeça e ninar os sonos.
A poesia que morava nela
não a fazia dócil
e o que ela queria,
naquela noite quase amanhecida,
era ter sussurrado.
Seus olhos gritaram. E pediram desculpas.

Imagem de estrelasaosul.tumblr.com/

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Em versículos

Mudo e solitário no limiar da noite
Ruma pelo asfalto com destino ao teu colo
O pensamento.
É tarde. O dia dorme.
Freme em delírios minh'alma
Poesia de teus olhos de menino.
Tua em versículos,
desmanchada na alvura das estrelas postas.
Tamborilo nossa canção
dentro do meu ouvido desejo teu silêncio latejante.

Imagem de lioh.arteblog.com.br

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Letras esmaecidas

Inquieto o coração
(assim é que chamo a minh'alma).
Meu peito, onde bato em minhas culpas
não abriga um coração capaz de amar.
Em mim, a minha alma é amor.
Esse coração de carne e cor
de sobressalto anda todo tempo.
A minha alma aguarda o pó da estrada
o olho cansado que procura o regato dos meus braços
a mão em brasa vindo para casa.
Tudo é o tempo
e minha alma anda atrasada.
Tanto amor. Tanto amor.
Abro as cartas antigas e nelas encontro a mim.
Eu naquelas letras esmaecidas
tornei-me essa flor de caatinga.


Esquecimento

Não sei se por conta das tribulações diárias ou pela proximidade da conversão do meu motor pessoal para potência de 4.0, ando esquecendo de algumas coisas. Nada sério, que necessite de uma consulta médica para diagnosticar problema neurológicos ou afins. Sei que isso ocasiona algumas cenas pitorescas, como pegar o fone e discar no teclado do computador, completar a ligação e pedir para aguardar um pouco enquanto tento lembrar para quem liguei ou tentar abrir o carro de outra pessoa jurando que era o meu que estava estacionado ali.

Trabalhar numa agência bancária é estressante. O fato de ter que atender ao telefone, compatibilizar tempo de atendimento com atingimento de metas, atualizar dados cadastrais com verificação proativa de documentos na pasta (que está arquivada em um outro ambiente), efetuar treinamento pessoal, gerenciar a equipe, entre outras zilhões de atividades: é como andar na corda bamba, com os olhos vendados, sobre uma piscina cheinha de jacarés, respondendo para o chefe sobre o desempenho do dia.

Contudo, trabalhar onde se gosta é prazeroso. Gosto de fazer o que eu faço e ainda de quebra me diverto com histórias de colegas mais atarentados do que eu.

No texto "Bicho morto ou vivo" falo um pouquinho de como começou minha história de amor com o Banco do Brasil. A história de amizade com muitos daqueles adultos quando eu era somente um projeto de mulher, com certeza, desenhou parte de mim.

Um desses colegas, desatento com os detalhes, é protagonista de hilariantes casos. Vou contar só um, que é para não ficar sem assunto para depois...

Faleceu o familiar de uma funcionária. Vão, os mais chegados, ao velório. Fazem uma horinha e se informam sobre o enterro. Alguém informa que será às dezesseis horas. Como ainda era cedo, o nosso protagonista vai para casa almoçar e tirar uma sonequinha. Quando desperta do sono de beleza vê que já não dá mais tempo de ir para a casa da colega. Apressa-se em dirigir-se para a avenida do cemitério. Avista o cortejo, aguarda na calçada e acompanha os amigos e familiares do defunto. Passa os olhos naqueles rostos e pensa: que 'filas da mãe'... Não veio ninguém lá da agência!

Quando vai chegando junto ao portão da última morada encontra um vivente da agência, e dispara: cadê o resto do povo? E mais brabo: Só tinha eu, acompanhando o enterro!
O colega, rindo, sem controle, responde: o enterro já aconteceu, você veio acompanhando o defunto errado!

Tenho medo do que ainda posso fazer!


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Punhais manchados de esperança

Se me batem à porta, abro.
Tive o mau costume de abrir meu peito
E, sem revista prévia,
deixar sentar em meus átrios os desconhecidos.
Causo espanto com meu canto
ora alegre, ora triste.
A tristeza incomoda aos que me amam.
A alegria incomoda aos que não sabem de mim.
Causaram-me espanto aqueles que me puderam enxergar:
Eles, os que me conheceram,
levaram seus punhais manchados da minha esperança.

Ilustração: ludailustra.blogspot.com.br



terça-feira, 8 de maio de 2012

Buquê de horas

Um buquê de flores para o amor
que mora na música,
nos dedos sutis entre os meus,
nos olhos postos em minha nuca.
Um buquê de amores para as minhas horas
que moram no silêncio,
nas palavras escritas no papel de pão,
nos suspiros entre você e eu.
Um buquê de horas para a flor
em pétalas no jardim
- é tempo de oferenda:
eu me ofereço e te recebo em minha vida.


O seu olhar melhora


A trilha sonora fala de olhos
Olhos que falam
E fazem nascer coisas lindas
e lindas palavras falam aqueles olhos
Sonoros olhos verdes
Amorosos olhos castanhos
Atmosfera de íris rememoradas
Melhora o dia
Melhora a noite escura.
Ah! Essa saudade que molha o papel
que mora no oco do violão:
O seu olhar melhora.

Teus (pés quentes). Meus (pés frios).

Deitarei na pedra fria esperando ouvir teus passos
Meu coração será feliz antes de ver-te
Tu virás primeiro pelos meus ouvidos
E eu recordarei de quando começaste a sussurrar
palavras de nós dois.
Para dizer toda a verdade
Deitarei na minha cama
Solitária, saudosa de teus pés quentes (nos meus, tão frios!)
E antes de deitar-me, sorrio
Porque tu não virás, contudo tenho teus frascos de perfume
- que insistes em não lembrar de usar.
Já estás enlinhado nos meus cabelos
Barba por fazer, distante de mim, sei.
Muito longe e tão perto.
Se enamoram o meu e o teu travesseiro
- murmurejam madrugada a dentro:
falam, enciumados, do nosso amor.

Desenhos do Rui



segunda-feira, 7 de maio de 2012

Jorge foi para o Japão

Quando é noite aqui
O tempo que parece constante
de supetão, entre uma batida e outra do coração,
também pára.
É dia do outro lado do mundo.
De ponta cabeça a Terra é plana
para os que não esperam mais da vida.
Ando querendo disparar atrás da lua
Correr todos os dias para ver o pôr-do-sol.
Jorge saiu a passear com seu dragão
e o fogo tem abrasado meus pés descalços.
Revestida com suas armas sigo pela madrugada
Adentro olhos sonolentos e os desperto logo cedo.
O céu é claro, o sol rebrilha na armadura.
Sou eu, aqui do lado de cá.
Jorge foi para o Japão,
de terno e gravata, somente passear.

Em 05/05/2012, A lua por Elmário, em Arcoverde (PE)

domingo, 6 de maio de 2012

Contemporâneos

Elíptica. Cíclica. A vida. Versos, travessões, pontos finais e vírgulas, como os nossos pais.
Desejamos ser felizes. E a felicidade é urgente. Como desejo de criança.
Suspiramos diante das vitrines, entregamos nossos corações, exultamos de alegria e gritamos de raiva.
Uns de nós vamos à igreja, outros sozinhos na peleja - olhando para as estrelas frias.
Nos poetas as dores do mundo, nos palhaços - kabuki, máscaras.
Somos protagonistas de velhas histórias inéditas.
A mesma praça. Trocaram os bancos e no lugar do cinema há uma loja de departamentos.
Na velha infância havia bolas e hoje há balas em jogos eletrônicos e nas apresentações ao ar livre.
As menininhas pintam suas unhas e suas bocas. Suas caixas de lápis de cor fazem parte do material escolar.
Todo mundo espera uma faca amolada, para extirpar os maus pensamentos, ao menos.
Hoje em dia quase não se escrevem mais cartas contudo, na urgência dos e-mails, ainda temos um coração varonil, esperançoso de que os bons sempre vençam os maus. Como dantes - doravante.

Elíptica. Cíclica. A vida declama os versos de Vinícius de Moraes:
Você que ouve e não fala
Você que olha e não vê
Eu vou lhe dar uma pala
Você vai ter que aprender.

Gravura de Thais Beltrame




sábado, 5 de maio de 2012

Não

Alterei minha opinião
Sofri por ter deixado de lado
Macerei folhas e livros
Poetizei a minha dor
Cresci ao redor do meu umbigo
Dilatei minhas pupilas
Inspirei o ar da noite
Virei de lado e já era dia
Tudo começou quando ouvi um não.

Ilustração de porbella.blogspot.com.br

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Comunicação

Se eu falo e a outra pessoa escuta
Se ela cala e eu continuo falando
Se ela continua no erro e continua calada
Se as palavras tornaram-se vãs
e caíram no divã.
Houve comunicação?
A dúvida só existe para mim.

Imagem de www.grupoescolar.com

Beija-flor no pé de urtiga




Se me encontrares noutro lugar
a falar de amores e amizades
Não deixai de me lembrar
que muitas palavras confundem o ouvinte
Recordai-me do abraço e da ação
sem esquecer de verificar quem me observa.
Que sejamos o beija-flor no pé de urtiga
Poéticos e atentos aos vilipêndios.
Cobras, afastai-vos!

                                                                                 Clica e opina. Como bom gourmet! 


quinta-feira, 3 de maio de 2012

Retinas

De tudo que vimos só nos restam as retinas.
Nelas aprisionados os passarinhos
os caminhos, as lágrimas e as dores alheias.
Nelas descansam os exaustos pensamentos
e moram as visões do amor (meu amor).
De tudo que somos só nos resta a alma
reta, sinuosa, tortuosa, virtuosa.
Nosso pasto, nosso passo, nosso corpo lasso.
Nosso riso frouxo e abraço amigo.
Retinas. Duas meninas. Como tinham de ser.
Receptáculos (do mundo).

Duas meninas, de Bibiana Calderon

Ela não acredita em destino

Ela penteava-se olhando sua imagem refletida no espelho matinal. Seus olhos abertos diziam que todo seu corpo ainda estava dormindo, mas era hora de sair. O mundo estava assobiando, chamando no portão.

Os livros, as anotações, a agenda. Óculos escuros. Horário da reunião. A pauta, as metas. Revisão mental. Gira a maçaneta e lembra que esqueceu de passar perfume. E batom. Na casa do outro lado da rua abre-se a porta. Bom dia! Como vai o senhor? (como é mesmo o nome dele? Hum... não consegue lembrar). Lembranças para sua esposa (também não sabe o nome dela!).

Céu de Brigadeiro. Os olhos de Deus estão azuis mas andam desejando que se enfureça e mude-os em cinza e se arrependa, e chore. Um calor de verão às vésperas do inverno. Se não fossem as bolsas do governo já haveria muita gente de matulão às costas.

As mãos estavam exauridas de tentativas e os olhos felizes com o resultado. As mudas em breve seriam plantas. Os brotos - nascituros. Ela pensava nos direitos das árvores e nos seus deveres: a segunda parte estava cumprida - sombra espraiada na calçada inteira.

Foi cumprir o seu destino. Ela não acredita em destino. Foi, pé no acelerador, ao encontro da sua escolha. Desandou a matutar. O cheiro de café despertou seus instintos de gourmet, mas estava açucarado. Um pouco d'água. Pronto. E passou-se um dia inteiro.

Ela despenteava-se fitando as finas linhas emolduradas no espelho. Sorri e há vincos em sua face. Não se importa. Seu tio lhe dizia: quem não quer ficar velho, morre novo. Seus olhos devem descansar mas sua alma manifesta o desejo de dançar nas páginas em branco.

Ela é a imagem do espelho e a alma das finas linhas. E quer ficar velha.

Imagem de Zazzle

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Visita de Deus

Não sei onde andam as borboletas da minha infância. Não aquelas borboletas. Falo das suas descendentes. Nas tardes de janeiro, avizinhando as trovoadas, ficavam as paredes de todas as casas repletas de asas multicores. Eram pequeninas e gigantescas.

Com a meninada da rua, com uma caixinha de fósforos vazia, íamos aprisionando as mais belas. Lembro bem de asas marrons com pequeninas manchas amarelas, e de aterrorizadoras asas 'peludas' capazes, conforme vociferavam os adultos, de cegar quem as tocasse e em seguida esfregasse os olhos (confesso: fiz o teste) - eram as mariposas.

Talvez porque a cidade avançou sobre as serras as borboletas, e também as mariposas, tenham se embrenhado na caatinga. Nada de passeios nas ruas e praças. Sinto falta de sua beleza e então, por isso, quando vou à fazenda gosto de caminhar no mato, procurando-as.

Quando extirpei de mim um câncer de mama, fiquei quase um ano afastada do trabalho. Recebi a visita de algumas pessoas em minha casa. Meus amigos. No meu jardim, plantado em caqueiras, quase todos os dias havia borboletas. Gosto de pensar que era a visita visível de Deus.

Foto de deboradenadai.prosaeverso.net

terça-feira, 1 de maio de 2012

Cambraia de algodão

Cambraia bordada - parece que está na moda -
sua delicadeza lembra os vestidos da minha infância
onde a inocência era vestida de saias rodadas
(até onde me recordo rosa nunca foi a minha cor favorita).
Futebol na calçada da rua
eu era a goleira,
as barras eram meus chinelos.
A tardinha uma visita na casa do amigo
jogos de tabuleiro, lanche de queijo e goiabada.
Já se foram mais de três décadas
e ouço chamarem-me as lembranças de outrora.
Não ser velha ainda
ou não ser velho nunca
- o espírito.
O caminho que não tem volta: a vida.
A moda dos vestidos e laços de fita
A vida dos olhos e das escolhas.
Algumas sementes de puro algodão
ainda desejo plantar.