sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Cheiro de chuva

Cheiro de chuva.
É como sentir saudades:
Antevendo a presença
Que o vento às vezes leva embora.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Pescocinhos, refúgios de saudades

Muito antes de que eu tenha notado, minhas filhas cresceram. E fico observando alegre e entristecida esse espetáculo. Se você me perguntar o porquê de ficar entristecida posso responder de sopetão que é porque meu egoísmo materno se ressente em não fazer mais algumas coisas que antes eu fazia reclamando: colocar para dormir, alimentar, limpar a sujeira, juntar brinquedos. E o interessante é que a reclamação não era de verdade, era só para interagir...

Crianças passam de plantas em vasos para alegres pássaros num piscar de olhos. Nós passamos de jardineiros para estranhos observadores de pássaros - nossos bolsos com apitos que usamos para tentar chamar-lhes a atenção, nossos olhos com óculos de sol porque o vôo que eles alçam é cada vez mais alto.

Há também muita alegria em participar dessa metamorfose. Nos detalhes vemos que embora queiram negar muitas coisas que fomos nós que ensinamos, num ato de afirmação pessoal de que sendo do contra estão sendo eles e não nós, revelam a lapidação pela qual nos esmeramos em lhes dar: são gentis e respeitosos com os mais velhos, dizem bom-dia, não mexem nas coisas que não lhes pertencem, são curiosos e gostam de ler, acham 'babaquice' usar drogas e fumar, são fiéis e sinceros.

Para matar minhas saudades de quando minhas filhas eram pequenas, eu cheiro seus pescocinhos. Embora longos e cheirosos a outros cheiros que não de lavanda, são meu refúgio de saudade.



quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Explicação

Por vezes quero mais do que aparento
Quero ser mais amor e mais amada - e com isso não significa que me falta nada
Por vezes excedo os meus limites
Ultrapasso as expectativas ou derramo-me sobre mim
Nessa luz do ocaso que me fita.
Tem dias que sou obtusa, confusa
Em outros sou radiante explicação enciclopédica
E não há nada, nem ninguém que me desfaça
Arrumação de livros, ideias e minúsculos músculos
Lua minguante ou crescente?
Sei apenas que me sorri
Aquele riso do gato de Alice.
Entrelinhas as minhas rugas
As fugas
Fustigante. Fumegante.
É madrugada mas em mim já amanheceu.
Um outro dia que começará com meus olhos fechados.
Abertos. Porque quero bem mais do que revelo.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Primeiro

O primeiro choro, o primeiro riso
o primeiro passo, a primeira queda,
o primeiro dente, o primeiro amigo,
a primeira lancheira, o primeiro treino,
a primeira prova, o primeiro adeus,
a primeiro reencontro, a primeira briga,
o primeiro amor, a primeira desilusão,
a primeira crise, a primeira morte.
A colocação da vírgula em todos os primeiros - tornam-nos segundos e terceiros - uma sequência infinda de próximos passos.
Os primeiros como alicerce para o que ainda há de vir sem classificação.
A primeira traição, a primeira comunhão,
o primeiro encontro com o mar, o primeiro vôo de avião,
a primeira noite em claro, o primeiro dia de trabalho,
o primeiro filho, o primeiro animal de estimação.
Temo apenas a abreviação de um ponto final.
Ainda não, peço em minha oração.
Uns primeiros que ainda não tive, não vi, não participei.
Mais alguns nesse rosário de contas coloridas - primeiros transmudados.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

(DES)ordem

Ordem numérica. Ordem alfabética. Ordem de prioridade.
Desordem do dia anterior, desordem de todo dia.
Fora da ordem, fora da órbita, fora de mim.
Dentro de mim, dentro de um pote, naquela linda flor amarela.
Minhocas e caminhos, misturadas e separadas - tudo cabe na minha mente.
De tantas que sou e fui me embriago e me largo no sofá.
Não há poesia em deixar-me ao lado
Então, largo sorriso, lindas mãos doadas e escondidas.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Paisagem (passagem)

Tudo que fere não é espinho.
Às vezes a flor causa mais dor.
Das coisas que não sei dizer
ou não quero dizer
O sonho maravilhoso faz doer o despertar
E quem faz o machucado?
O olho aberto ou fechado?
A rua, a esquina, a pedra, o tropeço
Salto fino ou chinelo
Do espírito nasce todo estado
Alegria de perder
Tristeza em reencontrar
Porque nem tudo é poesia
E água que limpa às vezes é suja.
Meu espírito é alegre mas se curva
A curva, o horizonte, a pequena flor
Coisas que vejo - umas permanecem, outras se esvaem.
No novo o velho
No velho a esperança de que haja mais um pouco a descobrir.
Tudo que é flor não é paisagem
E a mensagem é uma só
Quem sabe ler?