quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Pensarinhos

Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Mário Quintana


Não sei de que pensamentos me visto,
de que roupas me dispo.
Ao olhar-me, às vezes, os ventos me levam.
Nesse silêncio de mim não faltam as palavras
porque o que se ausenta
são seus olhos desejosos dos verbos que não sei usar.
Passarinhos, abrem suas asas e vêm pousar na minha janela.



sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Barquinho



Um barquinho.
Somente um barquinho.
Vejo o mar a lambiscar-lhe os lados e a ouvir seus segredos contados de leve, naquelas brumas.
Em parca luz, escondido em sua farta memória - marinheiro saudoso da terra, dos braços macios de sua amada.
Entregue ao balanço do mar, o barco, o marinheiro, a saudade.
Fecho os olhos e não se apaga a imagem.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Minha voinha

Suas mãos enrugadas, as pernas já cansadas da caminhada até aqui
Os olhos que guardam as imagens de toda uma vida.
Estive aos seus cuidados, sob o seu zelo, às vezes excessivo.
Meus ouvidos vez por outra não queriam escutar suas palavras duras sobre a vida que havia de vir,
E algumas vezes, seus conceitos estiveram errados ou apenas não pude aplicá-los porque a vida era minha e eu tive que aprender e ensaiar meu crescimento.
Com você eu aprendi a dizer com licença, obrigada, a 'sentar feito uma moça', a ter horários para as refeições, a dividir o único bombom com o primo. Aliás, com você, não! Com a senhora, porque com os mais velhos há de se ter respeito.
Pensamos tão diferente sobre tantos assuntos... mas sou pedaço seu. Em mim navega uma saudade bordada com sua máquina de costura e ela tem cheiro de café. Separadas e unidas por 50 anos de diferença. E acho que começo a enxergar alguma coisa pelos seus olhos, minha voinha.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Casaca de couro

Meus olhos viam aquela paisagem e traduziam as saudades de que eu não ousava falar.
Naquela terra seca, debaixo do pé de algaroba, a marca escura do sofrimento pelo fogo.
Nos galhos da mesma árvore, um ninho de um passarinho chamado casaca de couro - trabalhando todo o tempo em que estive sentada, fitando-o.
Aquela mancha negra no solo, feita pela fogueira em homenagem a São João, contava das comidas, das músicas, dos risos fáceis daquela noite ida.
Naquela noite também a passarinhada aflita deve ter se aninhado em outro rancho - sua casa ardia na temperatura alegre das labaredas.


Pelo fogo passamos todos - provações da vida.
Para uns a perda de um ente querido, para outros a falta de emprego, o fim do relacionamento, a decepção da traição, as dores da doença.
Passamos todos pelo estalido de nossa alma e nosso corpo no ardor das chamas.
Às vezes ressurgimos como a fênix ou transcendemos as agruras transformando-nos em nova matéria.
Milho de pipoca - depois do fogo - branco e perfumado, se não estoura é piruá - vai para a lixeira.
Se é para passar no fogo que tragamos as cicatrizes e deixemos nossa verve espiritual recobrir-nos e reencaminhar-nos na estrada rumo ao horizonte (que creio, seja logo ali).

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Tá assobiando?

"Tá assobiando? Agora assobie a noite toda..."
Essas palavras, segundo o vigilante que trabalha comigo, foram de Lampião para um 'cabôco' que se atreveu a assobiar num baile em que o Rei do Cangaço estava.

Eu assobio desde a mais tenra idade. Aprendi com meu pai. Como boa pulga de cós, onde ele ia, eu ia junto. E ele assobia quase todo tempo, às vezes bem baixinho. Assobiar me traz paz, me tranquiliza - talvez seja por acender dentro de mim a imagem da criança, seu pai e suas mãos.

Meu avô dizia que eu parecia um moleque quando eu chegava da escola, cadernos e livros nas costas e o 'bico' musicando a minha alegria: "Menina! Parece um moleque assobiando no meio da rua!". Desculpe, voinho! Ainda permaneço com o mesmo mau hábito.

Hoje amanheci saudosa de coisas idas porque parece que elas não foram.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Respeito é bom e eu gosto

Respeito é bom e eu gosto. Antes de ser música de Flávio José, já fazia parte das paradas de sucesso dos ditados populares da minha infância, assim como 'quando um burro fala, o outro baixa a orelha'.

Respeito é uma forma de dizer, sem falar nada, que sua crença, sua escolha sexual, seu gosto musical, sua forma de vestir, são suas e as escolhas dos outros, são deles. É claro que para tudo há que se ter ética. Minhas escolhas não deverão obrigar as pessoas a se sujeitarem a situações as quais não devem.

Pedófilos, gente que maltrata animais, extremistas e terroristas, maníacos diversos. Suas posições já são desrespeitosas por si.

Respeito é bom e eu gosto e fico estarrecida quando me deparo, no tempo em que vivemos, com pessoas que chocam a comunidade com suas palavras, dando início a polêmicas sobre tema que não se discute (fé e religião, por exemplo). É certo que todos temos o direito de falar, contudo sempre há balizadores (o que, onde, com quem, para quem, para que) e para isso deveria servir nossa capacidade de viver numa sociedade  em que as pessoas são livres.

Em determinadas situações o 'burro' do ditado é estimulado não a baixar a orelha mas a dar coices...

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Dias cinzas

Peço por mim e por você:
Paciência, plenitude, paz de espírito
Saber controlar a ansiedade
Ouvir a voz de Deus, sussurrada de mansinho
Na hora em que um turbilhão de coisas está impedindo até os pensamentos.
Peço numa oração rápida que haja mais momentos felizes
E que nos momentos tristes haja alguém para auxiliar na caminhada
Agradeço por mim e por você:
Saúde, lar, amor, refeição, lembranças boas
Olhos ardendo de saudade de coisas tão lindas já vividas.
Peço muito e agradeço numa proporção menor.
Peço desculpas pelos lapsos cometidos
pelas ausências nos dias cinzas.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Por falta de um grito, se perde uma boiada

Remendado. Emendado. Amassado. Machucado. Transfigurado.
Feliz. Arreliado. Escondido. Revelado. Renascido.
Meu amor é assim. Meus amores são assim.
É também reservado - como resquício de outrora, quando eu não sabia que amar doía na felicidade alheia.
Fiel e sincero. Sensível e paciente.
Se já fui ferida, não deixei de amar.
Quando fui preterida, não deixei de amar.
Deixei sim o amor escorrer e ao recolhê-lo não era mais o mesmo:
ora mais forte, ora quase morte, uma vez transmudado, outra vez calado
- poucas vezes gritado nos meus lábios calmos.
Por falta de um grito, se perde uma boiada.