quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Sem deixar para depois

Não tenho dúvidas sobre a existência 
do meu ser
Respiro a vida que surge brotada no entardecer
Por vezes segregada no desmanchar dos raios no duro asfalto
Flores no vaso - sorriem com seu odor
Enfeitam minha casa
Perfumam minhas memórias
Parcas em dias corridos
Abundantes na preguiça quente da primavera.
Quero ainda poder compartilhar mais de mim
Com aqueles que mais amo.
Sem deixar para depois
Projeto para agora
Depois posso viajar e quem saberá o destino final?
No caminho sigo em frente e adiante
Porque não posso andar sobre os meus passos
E atrás de mim vem um fogo empurrado pelo vento.
Descanso no remanso ao lado
E antevejo a felicidade
Do encontro adiante. 
Rio e mar. Complementares.
Ora sou seixo, ora leito das águas
Ainda ontem passei por grosso tronco
Que derrubei quando fui ventania.
Sou criatura. Ser.
Sei do que sou feita
E dessa matéria transbordo
Bordo. Linhas e cores.
À bordo. Popa e proa, à deriva.
Ser barco e mar
Tempestade e calmaria
Sinônimo para educação
Antônimo de águas paradas
Ouço essas letras:
Falam de mim?
Escondi meus segredos e não lembro onde.
Poderia me ajudar pequeno beija-flor?
E sigo no jardim,
De flor em flor
Nas rosas, nos espinhos
Esqueço se procuro ou se encontro respostas
Para o brilho que há dentro de mim.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Flor da noite

Ao longe, sinto, vem a quentura do sol
Disso falam as estrelas
Nessa hora de semiescuridão
Quando latejam nossas meninices
Poesia das horas
Derramadas por entre meus cabelos
Flor da noite
Flor do campo
(Não cabem mais seus desenhos de plástico)
Hoje só aguento a vida
E nada mais que não a revele
Então me alegro.
Os vagalumes escondidos
As pequenas formigas sobre o bolo, na mesa
Há ainda as folhas do meu pé de acácia
Farfalhando. Nesse balanço me contam os mistérios e segredos do seu imponente silêncio.
O fascínio das pequenas coisas
Abre meu coração em pétalas
Já sinto a quentura do sol
Lambiscando meus pés descansados na cama.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Somos iguais e diferentes


Somos iguais e diferentes.
Desejos, arrependimentos, sonhos, anseios, frustrações, decepções, amores, experiências, incertezas, decisões, dores, realizações, esperas e procuras – detalhes da trajetória que traçamos. Somos tanto e nada. Vivemos tanto e tão pouco. Somos novos e velhos – já nascemos morrendo, e nisso reside a poesia da nossa vida.
Não consigo acompanhar meus pensamentos que transitam rapidamente. Idéias sem expressão escrita, rápidas como a velocidade da luz.
Saudades da inocência da minha infância, do desejo de mudar o mundo - da minha adolescência. Duro despertar descobrir que o ditado ‘querer é poder’ num discurso que não seja benevolente, nem sempre, ou quase nunca, se aplica... E quanto mais vivemos mais descobrimos pessoas boas (e más), amigos de fé, amores d’alma e umas espécimes que é melhor nem classificar.
Somos iguais e diferentes, e ainda assim fica sempre a incerteza de ter agido certo, de ter falado o necessário, de ter ponderado a vida. Pontuações e pontos de vista, mistérios e segredos desvendados, aprendizagem e partilha da amizade.
O que queremos e para onde vamos? O que somos e o que fazemos para melhorar?
Vãs palavras, vis acertos, erros legais.
Somos iguais e diferentes: na cor, na raça, no credo, na missão.
Pequenos como uma flor, imensos como o mar – dependendo de uma atitude apenas para nos classificar. Rosas, margaridas, mandacarus e favelas. Rios, riachos, lagoas e cachoeiras. Flor e mar. Água verde. Água azul. Calmaria e bonança. Tempestade.
Tanto a dizer, contudo nada, além disto, sai da caneta.
Repleta de pensamentos e vazia de palavras.




Rico. Pobre.

O rico e o pobre. Extremos de uma situação social. Via de regra é o que nos vem à mente: convenção da estratificação que aprendemos bem cedo na pirâmide que fatia e delimita a população nas faixas sócio-econômicas.

Contudo há muito mais possibilidades no escopo dessas duas palavras.

Há ricos avaros. Porém não nos enganemos, pois há também pobres avaros. Ambos com pequenez de horizontes e de espírito. Suas almas estagnadas não anseiam pelo encontro e pelo crescimento que somente a partilha proporciona.

Há ricos generosos. Doam seu tempo, seus recursos, olham os necessitados e reconhecem-se capazes de minimizar as carências. Há pobres generosos. Partilha de espírito, às vezes, pois não há mais nada que possam dividir.

Pobre e rico são adjetivos. São variáveis. Até em sua classificação morfológica. Assim também acredito que Deus não considere essa questão fechada.

A parábola contada por Jesus (narrada por São Lucas, no capítulo 16 - http://www.paulinas.org.br/diafeliz/evangelho.aspx ) não encerra a questão com a afirmação simples de que os abastados estarão condenados à exclusão do seu reino. Muito mais que punição, a intenção de Jesus foi e é de alertar aqueles que não sabem e ainda não puderam aprender a dividir as bênçãos e os dons.

Não é o castigo o centro da leitura. Nem o centro da missão de Jesus.

O cerne da questão é a riqueza de quando nos tornamos pobres. Esvaziados e repletos.

O rico em posses de bens materiais também é filho de Deus. E, à mesa, o Pai também espera ansioso por aquele filho querido que compreendeu a riqueza como meio de proporcionar conquistas coletivas, que assimilou a graça da partilha e chega ao banquete despojado do antigo, revestido de um novo homem, com um coração humilde de criatura.

O Deus de misericórdia antes deseja não perder nenhuma das suas criaturas. Não as ignora. Mas é preciso agir para que a mesquinhez e a avareza não sejam nossa pedra de tropeço. Que a inveja ou a ambição construam muros ao nosso redor. Precisamos compreender a riqueza - voluntariado, partilha, entrega. Deixar de lado a pobreza dos pequenos atos. Também precisamos ser pobres, despojados da vaidade do ter. Tornar nosso espírito rico, engendrador, construtor de pontes.


domingo, 26 de setembro de 2010

Olhos no espelho



Quando vejo os meus olhos no espelho
Posso ver muito mais que meu reflexo
Vejo porquinhos tomando mamadeira
E colos que me seguravam para contar-me histórias
Sinto o cheiro de doce de goiaba caseiro
E os risos de minhas festas de aniversário
Bolinhas de miolo de pão francês
E um casaco quentinho nas tardes de inverno
Posso enxergar todas as dobrinhas do corpo gordinho e rosado do meu irmão
Percebo que os passeios dominicais com os meus pais fizeram a minha infância
mais criança.
Consigo escutar as gargalhadas das minhas amigas, as longas tardes em que
pudemos conversar e confessar nossos segredos juvenis, os sorvetes e as macaúbas,
o cheiro das festas natalinas que me faziam tão feliz.
Ouço os cânticos e as orações dos encontros pastorais, a presença de um Jesus
adolescente numa quadra de esportes colegial.
Recordo a inquietação ansiosa da primeira paixão e a dor de descobrir que
nem sempre o outro queria o meu bem.
Vejo soluços de saudade nas minhas retinas, adeus a pessoas tão queridas
que partiram para amar em outro lugar.
Cerro minhas pálpebras para sentir, como na primeira vez, os lábios do amor
a me tocar - alma que a minha aguardava.
Posso ver o tornar-me mãe - tradução da minha entrega à vida.
Quando vejo os meus olhos no espelho
Verdes, serenos, agitados, marcados pelo tempo
- nestas linhas é que escrevi quem sou
Com letras e músicas
Encontros e partidas
Amigos e poemas
Lágrimas e abraços
Perfumes e violão
Olho-me e vejo muitas de mim
Não sobrepostas contudo
Frente e costas, verso e anverso
Caleidoscópio, carneirinhos,
Doces, brinquedinhos
Chinela velha, uma fralda, um cachorrinho
Posso ver que procuro a vida eterna
A cura para as pinturas de tardes gris
- muitas rosas pequenas e vasos de jasmins.

sábado, 25 de setembro de 2010

Antigamente

A Sorveteria Caboré, do português. E dona Quitéria, fingindo que era braba. Seus picolés de palito, o sorvete de casquinha. Para os jovens de agora, hoje no local da sorveteria funciona uma padaria, que segundo informações, pois ainda não experimentei, tem um delicioso pão italiano (em frente a Narciso Maia).

A Festa do Comércio. O Parque de Diversões Lira, o mais novo LP de Roberto Carlos tocando sem parar. As barraquinhas de bingo, as roletas, maçã do amor (eu não gostava). O palco com as atrações artísticas - montado defronte do Hotel Magestic, vendiam-se até mesas, ao ar livre, reservadas com antecipação.

Os jogos escolares com participação dos alunos da região. Ir torcer para meu time de handball feminino, do Colégio Imaculada, que raramente ganhava. Jogos lá no Centro de Esportes do São Cristóvão. Levar uns trocadinhos para comprar uma laranja, cuja casca era tirada por uma maquininha que girava e a transformava num longo fio.

Ficar ansiando pelo mês de setembro. Desfilar no dia sete e no dia onze, sob um sol de lascar o cano! A concentração antes da 'passarela' na Avenida Antônio Japiassu. A satisfação de passar pelo palanque onde se encontravam as autoridades.

Eu (Branca de Neve) e os Sete Anões
Missa na Matriz do Livramento no mês de maio. Igreja lotada, todo mundo de farda. Era permitido ir, nesse dia, sem o fardamento à escola. As peças ficavam em casa, para serem lavadas e passadas. Afinal precisávamos estar impecáveis e indomáveis no banco da Igreja, à noite.

Contar e ouvir histórias mentirosas numa roda de amigos e ficar com medo de escovar os dentes e ir dormir. Assegurar no próximo encontro, se houvesse um novato, que o fato escabroso tinha de fato ocorrido.

Ir ao Cruzeiro. Hoje Cruzeiro Velho. Não havia calçamento. A aventura era somente ir até lá, olhar a cidade, que ainda não subia as ladeiras das serras, e voltar.

Supermercado Servebem com suas bolsas de papel e máquinas registradoras. Ficava toda imponente quando me mandavam às compras. Tinha um bolinho de goma, acho que o nome era Amidomil. Derretia na boca. Outro dia comprei um pacotinho no supermercado... Nada da magia de que recordava!

Ir olhar as novidades da Box Pop. As coisas lindinhas que dona Neusa vendia na Miscelânea. Comprar tecido para a roupa de final de ano nas Nações Unidas. Lanchar na Centro Lanches. Comprar novos pares de sapato na Sapataria Chic, onde deu no pé, dá no preço! Perguntar quanto custa um quilo de prego no Armazém Baiaca. Eu ia com meu pai na Gecacil, onde hoje funciona o Centromed de doutor Paulo Rabello Filho. Papelaria, na COPRIL e na Prima. Remédio? Na farmácia de seu Valdir, no beco de Joinha - que por sinal fazia (e ainda faz) a alegria da criançada com fogos de artifício nas festas juninas, no seu bazar Caramuru.

Lembranças. Essas para serem partilhadas com meus contemporâneos.

Aos mais novos mostram-se as palavras.
A poesia das palavras só se revela para os irmanados por quaisquer pedacinhos dessas memórias. Um retrato do meu passado. Um pedaço substancial do que me tornei.

Fazendo um trocadilho. Poesia e biscoito. Havia muita poesia nessa época e eu a escrevia vivendo. E o biscoito que fazia sucesso na época era o que vinha numa caixinha branca com o nome "biscoitos sortidos". Sem recheio. Biscoito de leite. Biscoito de chocolate. Biscoito Champagne. Só mudavam de forma. Eram a poesia que o biscoito tipo maria não tinha!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Desagravo

Criatura.
É a minha condição.
Sou criatura de pequena estatura
aos que me conhecem soa estranha a palavra
porque pequena não é a qualificação da minha altura.
Pequena diante do mundo e da curta vida que vivo
E viverei
Sou pequena mas não gosto de coisas medianas
O meio termo me incomoda
E o vento que me esfria a nuca
às vezes revela meu descontentamento.
Palavras duras e sorrisos falsos
Revelam o que se esconde
Falta de polidez
Solidão me faz companhia
Acompanhada estou só
Por escolha deste momento.
Essa estranha mania de querer agradar
Não quero mas faço
Desejo mas espero
Esse meio termo mediano seria o motivo do meu desagravo?

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Concha e pérola

Meu irmão teve um sagui quando era pequeno. Andava com ele no ombro. Morreu por engano. Explico: tinha ratos em casa e puseram veneno para matá-los, só que o danado do sagui resolveu se alimentar dessa delícia proibida...

O sagui estava lá, retesado, sem responder aos chamados do seu dono.

Foi um dia de sofrimento... Atrás de casa tinha um terreno baldio e acharam de colocar o 'defunto' numa caixa e depositá-lo no local, até que passasse o caminhão do lixo. Meu irmão chorou o dia inteiro, literalmente, pois quando se acalmava um pouco, abria a porta da garagem e corria a ver seu amigo inerte. E vamos chorar novamente!

Essas dores pelas quais passamos nos permitem criar uma casca, uma morada dentro de nós mesmos, onde podemos partilhar, sozinhos, nossos desencantos, desenganos, nossas perdas. Nesse lugar, cujo acesso é bem limitado, a passagem do tempo é diferente e as paisagens vão se alterando como estações. Quem aguentaria viver somente na sobriedade e solidão, no inverno ou no verão, na euforia e curtição? Até nossas maiores felicidades atingem seu ápice e, por incrível que pareça, declinamos do prazer e da satisfação porque precisamos contra balancear o peso da vida.

Encontrar o fiel da balança. Não existe fórmula. Meu equilíbrio é alcançado e mantido de maneira única. Não há um processo massificado, uma dica mágica de como resolver a vida. O certo é que aprender a lidar com os problemas, da maneira mais tranquila possível, é o norte a seguir.

Meu irmão chorou um dia inteiro. Chorou toda a sua dor. No outro dia não havia esquecido, seu bichinho havia morrido, contudo a vida o impeliu a dar mais um passo. E mais outro. Mesmo sem consciência plena sobre aquela fatalidade, sua natureza de criatura o manteve respirando. Resolveu a seu modo a crise que foi obrigado a passar.

Algumas pessoas rezam. Outras choram.
Algumas se escondem. Outras vão à feira.
Algumas lamentam. Outras arrumam o guarda-roupas.
Umas edificam. Outras preferem ajuntar os escombros.

"Navegar é preciso, viver não é preciso."  - Fernando Pessoa

Para os mais desavisados a palavra 'preciso', nesse contexto, não é sinônimo de necessidade e sim de precisão. E é dessa exatidão que tratamos aqui. Porque não há matemática aplicável a situações de crescimento pessoal. O que funciona comigo não vai dar certo, obrigatoriamente, com você.

Para acalmar, Cecília Meireles
Para confortar, os Salmos
Para escutar, MPB
Para almoçar, feijão com arroz
Para passear, a praia e o mar
Para dividir, o lanche com os amigos
Para dormir, edredom
Para contemplar, a lua nova
Para sentar, o sofá de casa

Posso fazer uma longa lista sobre o que me causa alegria, o que me estabiliza, o que me conforta. Vai servir para que outros saibam o que me agrada. Mais do que é isso é sugestão.

A perda, mais cedo ou mais tarde, vem. Assim como o ganho. Mais cedo ou mais tarde vai.

E vou parafrasear Cecília Meireles, só um trechinho: E ondas seguidas de saudade, sempre na tua direção, caminharão, caminharão...

Ora somos peixe. Ora somos mar. Mas que diferença faz se estando separados são a mesma coisa, condutores da mesma essência? É como ser concha e pérola. Criador e criatura. Sempre, ainda que a criatura siga para a plataforma de embarque antes do horário previsto.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Barco, brumas e gente

Barco
Como gente
Por dentro e por fora
Matéria e história
Num rio perene
Numa lagoa tranqüila
Ou num mar agitado
Se reveste da coragem
Das brumas já sentidas
Dos tripulantes já ausentes
Dos caminhos já idos.
Barco
Como gente
Nos fascina de repente
Pelo tamanho e pela cor
Pelo destino prometido.
Olhamos os remos
Quem os moverá?
Fecho os olhos
Vejo o barco da vida
À beira da água
Pedras redondas, calcando-lhe a parada
A frieza da verdade
Lambiscando sua madeira
Ao sol vêm saltitando as idéias
De ir além, muito mais do que o horizonte
Há capim roçando os seus lados
Recordando o porto seguro
Contudo balança-o o vento.
Água, âncora.
Barco
Como gente
Que não entende se fica
Ou se parte
Contempla as nuvens
São elefantes infantis
E dragões que fitam seus passos
Marinheiros, passageiros.
Deixa a corda solta
Não joga o peso
Segredos, só a madrugada os conhece
Farejo o fervor dos raios de sol
Novo dia
Novo tempo
Reparos no casco
Tantas viagens que hão de vir
E outras que deixaremos de ir
Gente e barco.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Velha infância

Se essa rua, se essa rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes
Para o meu, para o meu amor passar

Se eu roubei, se eu roubei seu coração
Tu roubaste, tu roubaste o meu também
Se eu peguei, se eu peguei seu coração
É porque , é porque te quero bem.

Eu cantei essas e muitas outras.

"Senhora dona Canja, descubra o seu rosto. O seu rosto é de prata quero ver a sua cara. Que anjos são esses que andam por aí? É de noite, é de dia, padre nosso, ave-maria! Somos filhas do rei e netas da rainha, senhor rei mandou dizer que escolhesse uma pedrinha." Talvez dona Canja, fosse Cândida. Mas na música da minha infância transformamos seu nome na alegria de brincar em círculo, de mãos dadas, sorrindo.

"Sambalelê tá doente, tá com a cabeça quebrada. Sambalelê precisava era de umas boas palmadas! Samba, samba, Sambalelê, samba na barra da saia, ô lê lê!" Hoje não é uma música politicamente correta, palmadas, como diz a doutora Lorca: "não pode!"

"Atirei o pau no gato-to-to. Mas o gato-to, não morreu-reu-reu. Dona Chica-ca, 'dimirou-se-se' do berro, do berro, que o gato deu, miau!" 

"Boi, boi, boi! Boi da cara preta! Pega essa menina que tem medo de careta!"

Li um texto sobre a carga psicológica dessa músicas infantis. Foram todas condenadas: incentivo aos maus tratos aos semelhantes e aos animais, causa de medo. Fiquei pensando ao final da leitura: a mim, só me trazem boas lembranças.

A camaradagem da brincadeira. O treino para desinibir no samba solitário do meio da roda. O exercício de ficar de cócoras e rapidamente levantar ao gritar MIAU! Quem já foi uma melancia verde, vendida ou abandonada, ao se verificar, depois de uns cocorotes, se estava verde ou madura?

Bom, de qualquer forma, eu sobrevivi a minha infância de brincadeiras de roda, músicas de horror, graduação em tortura animal e felicidade. Lembro com saudades. Desculpem-me os psicólogos, os pedagogos e afins. Minha mãe não me traumatizou ao cantar para eu dormir, mesmo que houvesse um boi para me pegar e um pavão, que eu não sabia o que era, em cima do meu telhado.

"Lá na estação, bem de manhãzinha, segue o trenzinho todo carregado, e o maquinista toca a manivela: Piuiuií, lá se vai." E eu fui passageira desse trem!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Palco giratório

Vamos começar
Colocando um ponto final
Pelo menos já é um sinal
De que tudo na vida tem fim

Com tantos avanços, no último século, em todas as áreas (tecnológica, médica, agrícola, educacional, ocupacional, comportamental...), fica bem claro que há um paradigma: quanto mais velhos ficamos no futuro em que vivemos mais saudades temos do velho que relembramos ter vivido.

Ao tempo em que vivemos uma era quase que urbana, os estudos apontam que uma vida simples faz melhor a qualidade de vida. Morar mais perto do trabalho, ter mais momentos de lazer, viajar para o interior, colocar os pés na água que ainda resta limpa, contemplar o céu sem as luzes da cidade, caminhar pelo aceiro, ver as pequenas florezinhas do mato.

O conforto da água na torneira, do sabão em pó, da máquina de lavar, do microondas, do botijão de gás butano, da internet, dos vôos comerciais, nos remetem a grata satisfação da água corrente do riacho, do fogão à lenha, dos encontros ao redor da fogueira, das visitas vespertinas à casa dos amigos. O velho se faz novo. O novo torna-se-á velho. Um ciclo. É assim que vivemos e que morreremos. Antes de nós e depois de nós. Simples e complicada - a vida.

Nossos avós. Nossos pais. Nós. Nossos filhos. Nossos netos. Talvez bisnetos. Nosso ciclo é curto. Quem sabe se vivéssemos mais tivéssemos mais cuidado com o que nos cerca, com o que deixamos de lado e com o que carregamos em nossas bolsas. Nossas escolhas são mais do que simples decisão.  

Apesar de termos feito tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais (Belchior).

Passageiros. Destinos diferentes. Transportes diferentes. Mesmo fim igualitário, ainda que o serviço de bordo nos tenha atendido de modos distintos. A viagem a partir do final comum é uma promessa. Um novo ciclo. O ponto final desse capítulo é passagem para um novo episódio. Talvez eu seja a atriz principal. Talvez a coadjuvante. Sei que faço parte do espetáculo e que é um teatro mambembe, um palco giratório.

domingo, 19 de setembro de 2010

As sementes e o tempo

Como desacelerar o pensamento?
O sentimento, a emoção?
Diminuir a velocidade do vento e do tempo
E sentir por mais um pouco o perfume do jasmineiro?
Deixo de lado os mistérios das coisas não resolvidas
Pois preciso, sobremaneira, mergulhar
Nas pequenas coisas deste dia
Ter os olhos límpidos
E trazer atrás de mim
O rastro de minha alma semeadora.
Silêncios profundos - assim mesmo, no plural
Reticências entre o desejo almejado
E o jardim brotado da árida terra do quintal.
Não tenho respostas
Sou interrogações e quase sempre exclamações.
Nas sementes que guardo em meus bolsos
Em meus olhos e em minhas mãos
O freio lenitivo com que esbarro
O ocaso avermelhado.
A minha alma. O infinito.

sábado, 18 de setembro de 2010

Estampa de flores

Posso sentir esvoaçado
O vestido estampado de pequenas flores
Com que se veste a minha alma.
Translúcida e ansiosa
Por receber mais da vida
Ávida das palavras que me falam
As silenciosas luzes das estrelas.
Só poetas e borboletas
Me povoam agora.
Minhas digitais por toda parte
Na caneta e na cabeceira
No corpo do meu amor
Estão distantes pensamentos
Materializados nas minhas letras desenhadas
Querem, e dizem,
das inquietudes do meus olhos.
Vejo chover e faço esse exercício
Com meus ouvidos
Que vêem o vento na janela
E sentem molhada a vidraça.
Meu pequeno mundo
Desnudo e desvendado
No suspirar da noite
Anfitriã do dia, amanhã.

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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Andar de trem

Nunca andei de trem. Queria ter andado no trem de passageiros que tantas vezes vi passar defronte a minha casa. Os vagões vermelhos com a inscrição RFFSA nos seus lados.

Aquelas pessoas nas janelas. Umas sentadas esperando chegar na estação, outras, já ansiosas, de pé, prontas para saltar tão logo fosse possível.

O apito me assustava. Sempre. Mesmo que eu já estivesse aguardando. Lembrando-me hoje da sensação de outrora era como se aquele som tão forte e marcante, que me sobressaltava, saísse de mim mesma.

Quando eu ia resolver alguma coisa para minha mãe, na rua dos Bancos, ia caminhando sobre os trilhos. Equilíbrio. Desequilíbrio. Trilho. Terra. Trilho. Trilho. Terra. Calçamento de paralelepípedos. Minha locomotiva chegava ao destino rapidamente. Os trilhos me levavam.
Dentro de mim há trilhos. Conduzem por lugares que me surpreendem por existirem.

Já ouvi dizerem: fulano conviveu com sicrano tanto tempo e não sabe, ainda hoje, quem é ele.
Grande verdade. Pelo menos para mim. Minha locomotiva traz, também, a mim como passageira. Na viagem vou conhecendo os meus recantos e nas paragens entram e saem pessoas que sentam no banco ao lado do meu.

Queria mesmo ter viajado de trem, me embrenhado no mato sentada à janela. As pontes, a vegetação seca, as flores depois das chuvas de janeiro. Os menininhos me dando adeus, como eu fazia, sentada no terraço. Passar por dentro das fazendas, sentir o cheiro da vida naquele momento.

Mais uma estação. Mais uma estação. E depois de chegar até aonde eu ia, voltar para o meu terraço. Regaço acolhedor: a estação de onde parti.
Atravessar os trilhos e a rua. Seguir em frente no bequinho e comprar o pão - trazido numa sacola de pano.

Esperar de novo, que no outro dia era dia do trem de carga...

Estação de Trem - Arcoverde (PE)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Panças, papos e piadinhas

É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Vinícius de Moraes, Samba da bênção

Muito riso é sinal de pouco siso. Escutei muitas, muitas vezes essas palavras.
Na minha infância e adolescência era bastante uma formiga sair um pouco do caminho. Isso já era motivo para um comentário e muito riso. E por falar em formigas, destinei um bocadinho das minhas horas em observá-las. Aquela longa fileira, umas indo e outras voltando, se cumprimentando, carregando bolo, açúcar, arroz, folha. Por vezes uma levava a outra. Ficava imaginando se era para 'enterrar' ou para se alimentar.

Uma vez por mês as mulheres de onde trabalho se reúnem para exercitar a camaradagem. Oportunidade em que aproveitamos para encher as nossas panças de guloseimas, colocar os papos em dia, contar umas piadinhas entre uma xícara de café e um copo de refrigerante e rir muito. Se pudéssemos nos reunir toda semana... Saio com muito mais calorias do que chego, em compensação meu espírito sai leve, recompensado por aquela partilha.

Muito riso é sinal de pouco siso. Ditado mais besta. Fazer mangação é bom demais. Não é com maldade, nem para ridicularizar ninguém. É a cumplicidade de criança aflorada naquele momento. Rir porque o colega tropeçou e quase caiu. Porque a amiga perdeu um dente e enquanto o dentista não socorre ela fica falando como chinês, com a mão na boca. Completar uma ligação discando o número do telefone no teclado do microcomputador? Tem coisa que não dá para passar em branco. Tem que passar é com muita cor.

A primeira coisa que esquecemos quando sofremos é da cor. Nossos olhos acham mais fácil vestir aquela roupa escura, sem detalhes. O detalhe é colorido. A vida é o detalhe.

Já recebi um zilhão de vezes um e-mail cujo texto é atribuído a Arnaldo Jabor sobre a seriedade das pessoas. O texto fala da chatice de gente que não tem jogo de cintura, que de tudo faz um cavalo-de-tróia.

Tem coisa mais deprimente do que conversar com uma criatura que é a urucubaca em pessoa? Tudo está ruim, o sol está muito quente, o vento está muito frio, a comida muito salgada, a água está morna, a roupa está velha, o sapato apertado, o trabalho é maçante, o amigo está irritante. Afe! Repito o mote que um tempo desses todo mundo repetia por conta de uma personagem de uma novela da Globo: é a treva!

Costumo dizer, às vezes, ao contar uma história "aí, eu rinchei bem muito". Rinchar é sinônimo para relinchar. E não, eu não me torno um cavalo ou uma égua. É que aquela risada bem alta e gostosa de algumas pessoas lembra o conversado desses animais: dentes de fora e muito barulho.

Gente que sorri não é enfezada. E enfezada é retrato de uma pessoa de mal com a vida, ao pé da letra é uma pessoa cheia de fezes. E vamos concordar: prisão de ventre também 'é a treva'...

Assim, vamos exercitar o sorriso e a gargalhada. Pode deixar marcas de expressão, porém acho que é melhor uma boca marcada pela alegria do que pela tristeza, chateação ou mau-humor. Pessoas tristes tem a boca em forma de 'u' (de cabeça para baixo) e eu prefiro aquela representação linda dos cadernos de desenho da pré-escola - bonequinhos de palito, dando-se as mãos e na cabecinha de bola uma grande linha curva - um sorriso de engolir as orelhas.


"Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô."
Adélia Prado

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Cantam os olhos meus?

Agora tenho palavras em meus olhos
E no caminho, o silêncio das estrelas
Escondidas neste céu de nuvens
Faz frio
Minha alma inquieta de saudades
De coisas indizíveis e não reveladas
Nem a mim, nem por mim.
Contemplo a fotografia.
De que será feita a lua
Além de queijo e de meus sonhos?
Recordo-me da sua brancura prateada
Refletida em minhas águas paradas
Canta a minha alma?
Cantam os olhos meus?
Amor meu em pedacinhos espalhados
Nos jardins do céu.
Assim descubro pequeno segredo:
A saudade é de mim,
Daquela que se revela nas flores boêmias
Úmidas do orvalho amoroso do frio.

Endereço da imagem

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Maria

Hoje perdi o início da novena de Nossa Senhora do Livramento. Padroeira da cidade de Arcoverde, minha cidade natal, portal do sertão.

Gostaria de poder expressar de modo convincente o porquê de chamá-la, como outros irmãos de fé também a chamam, de mãe. Aquela a quem recorremos como mediadora, que nos oferece seu colo e sua orientação, onde encontramos uma ponte segura que nos leva até o Pai. Por ela nos veio o Salvador. Mãe de Jesus e nossa mãe.

Primeira missionária. Doou-se inteiramente, estando aos pés da cruz, comungando do sofrimento do Filho de Deus, gerado em seu ventre. Vendo consumar-se a profecia e sofrendo a mesma dor que sofrem as mães pela desventura dos seus filhos.

Espelho de justiça. Sede de sabedoria. Causa de nossa alegria. Vaso espiritual. Vaso honorífico. Vaso insignie de devoção. Rosa Mística. Torre de Davi. Torre de marfim. Casa de ouro. Arca da Aliança. Porta do Céu. Estrela da manhã. Parte da Ladainha a Nossa Senhora. Suave oração. A ladainha é uma palavra que significa súplica. A minha súplica é que eu possa conformar o meu espírito ao de Maria. Que eu possa ser templo.

São Luís Maria Grignion de Montfort, no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, escreve:
Pois que é o meio seguro e o caminho reto e imaculado para se ir a Jesus Cristo e encontrá-lo plenamente, é por ela que as almas, chamadas a brilhar em santidade, devem encontrá-lo. Quem encontrar Maria encontrará a vida (cf. Prov 8, 35), isto é, Jesus Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14, 6). Mas não pode encontrar Maria quem não a procura; quem não a conhece, e ninguém procura nem deseja o que não conhece. É preciso, portanto, que Maria seja, mais do que nunca, conhecida, para maior conhecimento e maior glória da Santíssima trindade.

Mistério maravilhoso. Gosto de imaginar Jesus, segurando com suas mãozinhas o rosto de Maria, dando-lhe beijos, chamando-a, no aconchego do lar, de mãe. De manhã cedinho, antes de sairem José e Jesus para a carpintaria, a primeira refeição. Casa abençoada com a presença do menino Deus.

Essa rotina santificada é que deveríamos ter em nossas vidas. Ele nos bate à porta antes de ir à carpintaria. Todos os dias. Quer entrar. Assentar-se. Saber dos nossos problemas. Ele aprendeu com o exemplo. Não é assim também que nós, mães, fazemos com os nossos filhos?

Jesus também foi aluno. O Mestre foi discípulo de Maria, sua mãe. Não é um mistério para eterna contemplação?

Em oração, repito os versos de Nicodemos Costa, em Doce Mulher:



Vem à minha casa, ó doce Mulher. 
Faz do meu coração o teu lar.
Eu sei, teu Filho, assim o quer.
Vem à minha casa, ó doce Mulher.
Maria, a minha casa, agora tua casa é.
Teu olhar me faz caminhar.
Tua voz firmeza me dá.
Esperança, sempre tenho em ti
E quando anoitece, 
eu sinto a tua mão a me guiar no escuro,
a dar-me direção.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Infinito


Porque somos finitos.
Talvez sejamos infinitos.
Qual a sua crença?
Podemos fazer a diferença
Quero ser diferente
Embora igual na condição
O além que agora chega
O difícil que não compreendo
A ausência da saudade
Do que não sei
Você sabe?
Olho as minhas mãos
Ancestrais
O caminho do amanhã
No silêncio dos meus olhos
Ouço o mormaço desta tarde
Arde
O fogo da querência
Ecos
Da voz que, calada,
Grita e suspira no meu peito.
Suspeito
Que ainda sou apaixonada
Que ainda caminho na mesma estrada
Asa. Borboleta, passarinho
Folha. Milho do mês de junho crescendo lá no quintal
Sol. Lua. Sol. Lua
Foi-se um mês, atrás do outro
Fui-me eu – a procura do que me preenche
Arrebol
Noite estrelada
Infinito
Passatempo
Nas minhas linhas
Ora escritas, ora emaranhadas
A minha vida
Transcrita em breves trechos
Que seus olhos lêem.


Um pouquinho de poesia. Que é do que somos feitos. Somos poemas de Deus. Finitos e infinitos, dependendo dos olhos que nos enxergam ou como escolhemos caminhar.
No meu coração a alegria de ser quem eu sou e estar como estou.

www.recantodasletras.com.br - procure por Valéria Britto

domingo, 12 de setembro de 2010

Ça sert à quoi

Ça sert à quoi, à quoi tout ça
Ce beau jardin si tu n'le vois pas
Pour qui pour quoi toutes ces fleurs
Autour de toi
Ça sert à quoi, à quoi dis-moi
Si t'as le monde rien que pour toi
Ça sert à quoi si ça ne sert à rien
Ce que l'on a

Ça sert à quoi - Chico Buarque

Egoísta. Ofício de só pensar em si mesmo.
Todos somos egoístas. Todos somos altruístas. É como no ensinamento indígena: o mal e o bem dentro de nós. Escolhemos a quem alimentar.
Neste mundo globalizado e politicamente correto, apregoado como igualitário, porém excludente, há ainda que se mudar as lentes com que o olhamos.
Esquecemos de coisas pequenas como apagar as luzes, fechar as torneiras, não jogar o lixo no chão, não depredar o patrimônio público, recusar suborno, negar-se a subornar, resignar-se diante da injustiça, não prostituir as escolhas.
Ser egoísta é agir hoje sem pensar no amanhã que estamos gerando.
É como o jardim da música de Chico Buarque "Para que serve, para que tudo isso: esse lindo jardim se você não o vê? Para quem, por que todas essas flores em volta de ti? Para que serve, para que me diz? Se você tem o mundo só para si. Para que serve se não te serve para nada?"
É guardar no armários roupas que não se usam mais. E deixar o pão mofar sem o partilhar. Negar o perfume das flores brotadas nos seus dentes. Esconder as cores que escorrem quando se estendem as mãos. Acumular o que não se vai levar para nenhum lugar.

Ser egoísta é negar ao outro conhecer a parte que por direito é dele. Ainda que essa parte seja o seu ego.
Viemos para servir. Quando somos servidos devemos cuidar para que nesse momento aconteça a graça de sermos a flor para o jardineiro.

Não é para isso que servem os jardins? Para enfeitar e perfurmar? Então que sejamos a flor para o jardineiro. Enquanto serve, é servido. E quando é servido, serve de instrumento.

sábado, 11 de setembro de 2010

Esta é minha mensagem para você


Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã:
o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias.
A cada dia basta o seu cuidado.
Mateus 6,34

Deixar de lado a ansiedade de querer antecipar a vida. Muitas vezes não consigo fazer esse exercício de entrega. Quando vejo já me desesperei, já tentei resolver do meu jeito. Não fiz nenhuma pausa para dizer: Deus, vem em meu auxílio. 

O turbilhão de emoções do momento nos leva como a uma boneca de pano, a mercê de sua força. Sem firmeza para caminhar, nos leva a ventania. Talvez o caminho até fosse mesmo aquele, contudo, pelo desatino nos lançamos contra os espinhos, contra as paredes, sem horário de partida ou de chegada - muitas vezes na escuridão da dúvida.

Coisinhas pequenas que nos dão grande suporte: oração, entrega, escuta.

Quem sabe essas pequenas coisas não sejam os três pequenos pássaros da música de Bob Marley - dizendo não se preocupe com nada, porque cada pequena coisa vai ficar bem.

O dito popular: Deus é pai, não é padrasto.
A cada dia um novo sol. Nascente e poente. Sem atropelos. A cada noite o cantar da escuridão para acalmar nosso espírito, renovando nossas forças para o amanhã. Trabalho silencioso e perfeito da natureza para nós. Precisamos da conexão entre os anseios do corpo e as necessidades do espírito. Saber distinguir o tempo de estar ou de partir.


Saying don't worry about a thing
Dizendo não se preocupe com nada
'Cause every little thing
Porque cada pequena coisa
Gonna be all right
Vai ficar bem
Rise up this morning
Levantar esta manhã
Smile with the rising sun
Sorrir com o sol nascente
Three little birds
Três pequenos pássaros
It's by my doorstep
Pela soleira de minha porta
Singing sweet songs
Cantando músicas doces
Of melodies pure and true
De melodias puras e verdadeiras
Sayin',"This is my message to you"
Dizendo, "Esta é minha mensagem para você".
 
Bob Marley, Three Little Birds.



sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Caderno de caligrafia e tabuada

Caderno de caligrafia. Tabuada.
A minha letra é redondinha, todas as letras ligadinhas umas nas outras. Alguns dizem que é letra de professora. Sei bem que nelas se escondem minhas mestras e minha mãe (que me dizia que eu parasse de mudar de caligrafia, que aquilo era coisa de 'gente sem personalidade ').
Ah! A tabuada. De mais, de menos, de vezes e de dividir. Foi assim que aprendi. Estudei para as arguições de dona Antônia. Sim, senhores. Era dona Antônia. Ela era minha professora. Não era tia Antônia.
Tive cadernos de apontamentos, caderno de desenho. Levava tarefa de casa, copiada com letra caprichada. Na sala víamos a matéria nova e revisávamos as antigas. Só havia livro de Matemática e Português. Ciências e Estudos Sociais (Geografia e História) eram anotações extensas, retiradas do quadro de giz.
A professora tinha tempo de olhar os cadernos, reclamar das orelhas de burro que fazíamos nos livros, arguir, fazer ditado de palavras e, pasmem!, tínhamos um tempo livre para as aulas de artes - cada um com sua caixinha.
As caixinhas ficavam guardadas no armário. Eram caixas de sapato enfeitadas por as mães: cobertas de papel de presente ou tecido, com apliques de figurinhas. Buscar a minha caixinha era como resgatar semanalmente um tesouro - caixa de lápis de cor com 36 cores, lápis hidrocor, lápis cera, tinta guache, pincel, cola. Uso com muito zelo, sem estrago - se sobrasse, no fim do ano o tesouro podia ir para casa.
É uma observação rasa, contudo parece-me que a mudança de nomenclatura de professora para tia trouxe uma frouxidão nos procedimentos didáticos. O processo educacional, como qualquer outro processo, é objeto de evolução.
Não podemos negar a democratização do acesso à educação (material didático, inclusão digital, melhoria na remuneração dos docentes, entre outros) mas não devemos fechar nossos olhos à fragilização por que passa o educador no seu papel primeiro de ser ponte entre os alunos e o conhecimento.
Deveríamos ratificar juntos aos nossos filhos e alunos, nós, pais e professores, que o conteúdo apresentado foi por eles apreendido. Não é erro ortográfico. O conhecimento apreendido em nossa mente produz frutos de liberdade: escrita correta, pensamento ordenado, referências geográficas, fácil compreensão, contextualização.
A educação é apontada como ponto de partida para a melhoria de qualidade de vida. Talvez seja apenas saudosismo de minha parte, mas continuo achando que tem alguma coisa que não anda bem nesse mundo globalizado, contextualizado e ao mesmo tempo desconexo.
Como se explica que a balconista, para a minha compra de R$ 11,50, recebendo uma nota de R$ 50,00, tenha de certificar-se, junto à calculadora, de qual deva ser meu troco?
Por onde andará dona Antônia e suas arquições de matemática?

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Estatura

Sempre fui a mais alta da minha turma. Com 13 anos eu já tinha crescido quase todo o meu tamanho. Tenho 1,78m.
Na minha infância eu adorava dançar quadrilha. O único problema é que muitas vezes não havia o cavalheiro que fosse mais alto que eu, ou pelo menos da minha altura. E ficava eu lá, emburrada: com menino mais baixo que eu, eu não vou, professora!
Outra coisa, acho que meus braços cresceram primeiro do que o resto do meu corpo. É engraçado de contar mas não foi engraçado de viver: não usei blusa sem mangas por um bom tempo. Eu era muito magrinha e aqueles brações, pareciam não serem meus.
Gosto de ser pontual nos meus compromissos por dois principais motivos: o primeiro porque o certo é certo. Se marcamos para às 19h por que motivo só começar a reunião às 20h? O segundo: numa reunião social, as pessoas vão chegando, se acomodando e se confraternizando. A impressão de chegar depois é de que todas aquelas pessoas notarão a sua chegada. No fundo, no fundo, sei que não estão a espreitar os meus passos. Talvez seja resquício de uma infância na terra dos gigantes.
E é engraçado como podemos ser discrepantes dentro de nós mesmos.
Não gosto de ser o centro das atenções mas gosto de ver e de ser vista.
Explico.
Os carros hoje em dia tem seus vidros revestidos por uma película que por vezes atrapalha a visão até mesmo do lado de dentro do veículo.
As casas têm muros tão altos que conseguimos ver apenas suas cumeeiras.
O carro em que ando é assim. E a casa onde moro também.
Tudo bem que o mundo em que vivemos praticamente exige que busquemos mais privacidade e menos insegurança. Mas convenhamos, uma casa com uma varanda não é um convite a entrar, sentar, conversar e tomar um café com chapéu de couro (broa de milho)?
Os vidros fumê diminuem a temperatura interna e ajudam na hora de namorar e ponto final. Como é que posso cumprimentar meus amigos e conhecidos se não os vejo se estou fora do carro e se eles não me vêem se estou dentro do carro?
Os avanços revelam retrocessos.
Projetos para depois: construir uma casa na fazenda, com janelas de boas vindas. Só dirigir jeep Willys, pelo menos no verão: sem capota, com o vento e o sol lambiscando meus cabelos.


Bom senso significa ver as coisas por dois prismas: 
a forma como queremos que elas sejam 
e a forma como elas têm que ser.
June Smith

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Colcha de fuxico

Rever as pessoas. Reencontrar as pessoas. É bom demais!
Sentir novamente aquele abraço, aqueles olhos depositados em você. Ouvir as histórias de hoje e relembrar aquelas que partilhamos juntos.
É como tomar café com tapioca no final de tarde (não posso mais encontrá-la, dona Ivone, mãe de Valmira: essa comilança me traz a lembrança gostosa da sua cozinha e do seu riso escutando nossas besteiras).
No final do ano, no mês de dezembro, quando as pessoas se reunem na casa paterna para comemorar mais um ano que vem chegando, é uma oportunidade ímpar de rever quem escreveu conosco parte de nossa história.
Saudade às vezes me causa dor física.
Acho que isso é coisa de quem está envelhecendo e sabe disso.
As pessoas da minha vida.
O lanche dividido, as tardes de estudo, os banhos de piscina, a excursão da escola, as mãos dadas, o frio na barriga, as lágrimas advindas da mentira, o pão com forma de jacaré, as brincadeiras de bola, as conversas no final da aula, os risos.
Eu reencontro você e você sabe qual parte de mim lhe pertence.
Sou um vitral.
Por mim passou a sua luz e fico feliz por revê-lo, por receber seu abraço, seu e-mail.
Uma colcha feita de fuxico. Cada florzinha unida pela trama na função de enfeitar minha cama.
Fico feliz nos reencontros.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O pardal

Ontem quando cheguei em casa para almoçar minha filha estava com um pequeno pardal na mão. Tinha caído do ninho, no Colégio, e ela resolveu salvá-lo da crueldade momentânea das crianças.
Deve haver uma explicação psicológica para essa atitude infantil. Nunca fui malvada com animais. Um dia porém, joguei sal no olho do gato angorá que tinha na casa da minha avó. Ele correu e eu, cheia de culpa, corri atrás - já morrendo de pena.
Quando somos crianças não tiramos por menos as gordurinhas, a ausência delas, o cacho dos cabelos, a bolsa da moda, a bolsa fora da moda, a altura, a pequenez. Tudo é motivo para observação. Como dizemos aqui, tudo é motivo para mangação.
Toda essa zoação serve para amadurecermos, para endurecermos "o talo". Alguns de nós lida melhor com a situação e entra na onda. Outros, que já são retraídos, se retraem mais. Como tudo na vida, não há padrão cem por cento.
Voltando ao pardal: foi alimentado e guardado num ninho improvisado numa caixa de sapato. Foram todos dormir. Hoje pela manhã o passarinho chegou junto de mim, inerte, trazido por sua salva-vidas. Tinha fugido do ninho e voado para a cama. A fatalidade do virar-se na cama. Fim de linha para o passarinho.
É assim na nossa vida. A fatalidade de seguir, de parar, de ficar, de partir. A fatalidade de viver.
O melhor de tudo é que mesmo estando nosso coração, nossa alma, de luto, o mundo não pára nem por um segundo para contemplar nossa dor. E que bom que é assim. O tempo continua indo para o seu destino e como não podemos ficar, vamos também. E aquele luto que corre em nossas veias se dilue em lágrimas, se mistura com as águas que correm por nossos pés. Afinal, a natureza não transforma a folha seca em parte da árvore novamente?

Meia palavra

Impotência: falta de poder.
Não ter como resolver determinada situação. Os meus tropeços, as minhas quedas e soerguimentos, meus vãos, tudo nas mãos do Senhor. Mas às vezes fico estática sem conseguir dar um passo que talvez ajudasse a resolver a pendenga.
Lidar com os melindres alheios e ao mesmo tempo seus. Difícil.
Escrevi sobre conselhos. Em alguns casos são inúteis. Os ouvidos não os querem escutar.
A convivência. A conivência. A intolerância. O amor. A paciência.
Quando amamos, ao mesmo tempo em que nos doamos, refletimos no outro a expectativa de que sejamos aceitos, amados, notados.
Precisamos de recompensa.
Não estou dizendo que o amor é interesseiro. Partindo do amor materno, que tudo doa: a mãe fica esperando aquele sorrisinho sem dentes, destinado só a ela. É uma recompensa.
Quando existe amor mas a vida se encarregou de apresentar certos obstáculos, e os envolvidos, por quaisquer que sejam os motivos, desistiram de juntos ultrapassá-los, surge uma porta com cadeado. Um tem a porta e o outro a chave do cadeado. Intimamente querem ir juntos ao passeio. Porém um não cede o caminho, o outro não se dispõe a andar. Ficam ambos à porta, sentindo o cheiro da chuva e recordando como já foi bom retornar molhados e juntos, compartilhando entre si do mesmo sentimento.
Para bom entendedor meia palavra basta. Alguém precisa falar. Alguém precisa escutar. Meia palavra.

domingo, 5 de setembro de 2010

1972


Eu nasci em 1972. Ainda pássavamos, nós brasileiros, pelos anos da ditadura militar. A guerra no Vietnã ainda demoraria mais três anos. Nesse ano aconteceram as Olimpíadas de Munique, na Alemanha.
Lembro bem que na minha infância era rara a casa que tinha telefone e televisão.
Na casa dos meus avós maternos tinha telefone. Um aparelho gordinho e preto. Eram apenas três números. Lembrava até um dia desses quais eram. Depois passou para sete dígitos. A oferta e a procura aumentaram. Cresceu mais um número, os telefones passaram a contar com oito dígitos. Recebemos em Arcoverde mais outro prefixo o 3822. Com frequência lá ia eu para a casa dos vizinhos, dar recados ou chamar as pessoas a atenderem ligações de parentes que se encontravam distantes. Tinha dias que eu bem que andava...
Na minha casa tinha uma televisão colorida. Meu pai construiu nossa casa em cima da casa dos meus avós. À noite, depois que eu assistia a programação, descia e ia informar qual a cor do vestido de fulana, pois a televisão da casa da minha avó era preta e branca.
Falar do passado para mim é como pegar uma coberta e aquecer os pés frios. Não que não anseie ou não planeje o futuro. Mas é que aquilo que já experimentamos e nos causou conforto nos faz repetir, relembrar. O desconhecido abre as portas para novos caminhos. A recordação nos traz de volta a nós mesmos. Traz de volta aquela situação que escolhemos não esquecer.
Como vivemos em comunidade, fiz e faço parte da história de vida de outras pessoas. E fico pensando onde fui junção e quando servi de ruptura. Deixei minha marca. Fiquei marcada. Um marco é um ponto. De partida ou de retorno.
Estou caminhando. Mesmo agora quando estou parada, escrevendo. A estrada me leva, ainda que por vezes eu não queira ir.

sábado, 4 de setembro de 2010

Um conselho

Definições (http://www.dicionarioinformal.com.br/) para:

Conselho - s.m., l. opinião, ensino ou aviso quanto ao que cabe fazer; opinião, parecer; 2. bom senso; sabedoria; prudência; 3. opinião refletida ou resolução maduramente tomada.

Intromissão - ato de intrometer.
 
Intrometer - dar opinião onde não foi convidado

Tenho verdadeira ojeriza por gente que se mete onde, definitivamente, não foi chamada. Não importa qual seja o assunto ou a decisão. A grande diferença de um conselho e uma intromissão é a intenção. Essa é a tênue linha que torna você, ou não, coadjuvante da história.

O conselho geralmente vem de uma pessoa que lhe quer muito bem. Ela quer que pela experiência que adquiriu você não passe pela mesma situação (quer seja ela vexatória, de grande dor, erro ou perca) ou pelo contrário (que você tenha êxito, que o resultado seja alcançado antes do previsto).

A intromissão vem de gente que se acha. Gente que está sempre certa e que mostra que você está errado (não quer mostrar o caminho, só aponta para os solavancos pelos quais você já passou). Gente que olha para sua dor e faz questão de dizer que tem a última dose do remédio, mas não a disponibiliza. Essa gente tem um estranho prazer de opinar sorrindo aquele sorriso do cantinho da boca.

Procuro sempre pesar o que vou falar. Quando estou com raiva, via de regra, falo o que não quero. A palavra tem o fio cortante da navalha. Faz cortes profundos. Adágio popular: palavras ditas e pauladas dadas, ninguém as tira. Afirmação incontestável. Um pedido de desculpas aceito não apaga aquela palavra que fez chorar: costura unindo os lados separados mas deixa marca indelével.

"Bendito o homem que não seguiu o conselho dos ímpios" - Salmo 1. O impiedoso, o mau, o incrédulo, que conselho daria?

Quem tem as mãos limpas e o coração puro? Àqueles a quem está prometido o Reino. Quem aconselha e não se intromete está lavando as mãos.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Exercício diário

Um abraço.
Às vezes só precisamos de um abraço.
Não sou muito boa com afagos. As pessoas que me conhecem, que convivem comigo, sabem que não sou muito carinhosa. Sou atenciosa, mas meio travada quando o assunto é tocar.
Admiro quem tem essa facilidade do toque. Sou arreliada.
Tenho amigos e amigas com esse dom. O dom do abraço.

Um sorriso.
Uma das instruções no curso de atendimento telefônico é de falar sorrindo. A pessoa do outro lado não está vendo, mas sente. É verdade. Faça o teste. Quase sempre não conseguimos sorrir sem que nosso corpo inteiro nos siga. A simpatia ecoa na voz.

Um bom-dia.
Ao entrar na sala de espera. Ao dirigir-se à secretária. No elevador. Ao vendedor de frutas na feira. Cordialidade. Tão pouco. E faz a diferença. Derruba a barreira e constrói a ponte.

Obrigada.
Você diz a pessoa que lhe serviu: - Obrigada!(você foi obrigada a fazer isso por mim!) E a outra pessoa, humildemente, responde: - Por nada, foi um prazer lhe servir. A obrigação foi uma satisfação. Felicidade essa de servir ao outro.

Pequenas coisas. Grandes coisas. Pessoas excepcionais em humílimos gestos. Exercício diário. Eu tento. Tente também!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Minha jardineira e meu tamanco

Tenho muitas mães: a minha (que é minha e do meu irmão), a minha avó, a minha tia, a minha sogra e Maria, mãe de Jesus. O meu Deus é Uno e Trino.
Tenho um cachorro labrador chamado Sansão, presente comemorativo nas minhas bodas de estanho - dez anos de casamento.
Tenho plantas no meu quintal e no meu coração. Neste tenho brotos e naquele rosas e manjericão roxo.
Tive uma professora de Português chamada Jacirene, ensinou-me a descobrir que há nas letras muito mais do que revelam.
Fui ao Egito na 7ª série. A viagem acontecia semanalmente, na aula de dona Zélia Veloso. Na aula dela eu não tinha tempo para jogar nenhuma conversinha fora. Os escravos, as pirâmides, os costumes - tudo aquilo me consumia toda a atenção.
Aprendi a assobiar com meu pai. E sei mesmo. Não é enrolação. Esse hábito deixava o meu avô brabo. Repreendia-me quando me via chegar do colégio assobiando: - Parece um moleque!
Adorava decorar as propagandas! Repeti muitas vezes a da Casa Lux Ótica, na década de 80... "Tem gente que precisa usar óculos de grau, mas não usa. Diz que é feio, que incomoda, que envelhece, que machuca"... (alguém lembra?)
Quando eu era pequena minha avó aprontava o almoço cedo e eu e meu primo lanchávamos caldo de feijão com leite, arroz e banana. Pode parecer estranho, mas eu gosto demais!
Tive muitas bonecas, porém do que eu gostava mesmo de brincar era com os bonequinhos do Playmobil. Gostava também de bola de gude e jogos de tabuleiro.
Meu primeiro óculos de grau tinha as lentes cor de rosa.
Tive uma amiga de infância que diziam que era piolhenta. Nunca passou para mim... E eu gostava dela e pronto. Na escola também havia uma 'rejeitada'. Não era amiga dela, mas nunca participei das zoações - ela sempre me olhava com aquele olhar de 'obrigada'.
Chupei chupeta até os seis anos. Não permiti que as minhas filhas demorassem tanto tempo no mesmo vício.
Minha sobremesa preferida, na infância, era pudim de leite. Minha mãe tinha que fazer e esconder.
O chocolate de que mais gostava era Prestígio. Melhor, ainda é.
Eu tinha uma jardineira e um tamanco que me faziam sentir a rainha da cocada preta. Quem não tem uma roupa com esse poder?

Eu, minha jardineira e meu tamanco!


Dentro de mim há uma ebulição de coisas, pensamentos, desejos. Sou o que falo e o que como. Sou quando calo e grito. Estou quando fico e parto. Ruborizo fácil. Tenho o gênio difícil, às vezes. Não gosto de receber cobrança. Sou credora. Prefiro assim. Os detalhes e os prazos são importantes para mim.


"Sou uma mulher madura
Que às vezes anda de balanço
Sou uma criança insegura
Que às vezes usa salto alto
Sou uma mulher que balança
Sou uma criança que atura."
Martha Medeiros

Al di lá del bene più prezioso

Vou procurar na locadora para assistir tão logo possa: Candelabro Italiano. Hoje recebi um e-mail, dizendo assim: "Vi este filme no CINE EMOIR de Sertânia.....Oh saudade!!!!!" Em anexo, um arquivo com um dos temas musicais do filme.
A música, Al di lá, é melodiosa. A tradução da letra, abaixo transcrita, é apaixonante (http://www.youtube.com/watch?v=aGMC9A_k6zQ):

Não creio ser possível.
Se pudesse lhe diria estas palavras:
Muito além do bem mais precioso está você
Muito além do sonho mais ambicioso está você
Muito além das coisas mais belas está você
Muito além das estrelas está você
Muito além está você para mim.
Você significa muito para mim.
Muito além do mar mais profundo está você
Muito além do limite do mundo está você
Muito além do céu infinito
Muito além desta vida está você
Muito além está você para mim.

O amor que tenho é assim: muito além. Escapa pelas pontas dos meus dedos e pelas meninas dos meus olhos. Está além de mim e em direção àquele que escolhi. Al di lá. Muito além. Desculpas tenho que pedir quando tento esconder minhas mãos, ocultar minha respiração, camuflar meu coração disparado. A simples presença do amor que escolhi me traz o céu infinito. Estampado nessas letras. Al di lá do que posso explicar.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Preciso de uma receita

"A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá" ...
 Chico Buarque

Vivo uma luta interna e diária. Comigo mesma. E o que tento conquistar é o gerenciamento do meu tempo. Sou constantemente atropelada por mim. Às vezes sinto que meu dia não tem as vinte e quatro horas prometidas nos livros de Ciências.
Talvez se eu morasse na zona rural, criasse uma vaquinha, cuidasse de uma hortinha, passeasse à tardinha, fizesse um bolinho de milho para o jantar, penteasse os cabelinhos das minha filhinhas, olhasse as estrelinhas, desse uns abracinhos no meu amor e dormisse cedinho, o tempo passasse devagarzinho.
Mas eu moro aqui, numa cidade do interior. Acordo cedo para despertar as minhas filhas (neste momento já faço uma breve viagem a capital, desejando que aquela que está de mim distante tenha também um bom dia). Tomo banho. Perfume, maquiagem, roupa, sapato. Café da manhã. Trabalho. Muito trabalho, tanto que não vou gastar mais tempo dissertando sobre ele. Almoço. Um pouquinho de internet, quando dá. Mais trabalho. Casa de mãe. Beijo no pai, abraço na avó, beijo na mãe. Faculdade. Blog. Tarefa de casa. Guarda-roupas para arrumar. Tem rato no quarto de fora. Tenho que lembrar de comprar veneno. Ração para o cachorro. Banho novamente. Sinal da cruz. Oração. Entre os lençóis enumero pelo menos umas cinco coisas que preciso mesmo fazer amanhã (e é quase certo que não farei).

"Posso ouvir o vento passar,
assistir à onda bater,
mas o estrago que faz
a vida é curta pra ver"...

Sinto como se a roda me girasse. Mas, afinal, quem tem o controle não sou eu?
E só penso que talvez o depois de algumas coisas venham tornar-se o nunca da espera, a nulidade de olhos que já não podem mais contemplar o instante.
Quando eu era adolescente tinha uma frase que circulava nas contracapas dos cadernos mais ou menos assim: se ontem fosse hoje, hoje seria amanhã. 
Hoje é agora. Agora o que escrevi no começo já faz parte do meu passado.
Tenho que controlar minha ansiedade pelo desejo de poder fazer todas as coisas.
Sei que não posso. Mas quero. 
Nessa luta encontra-se meu espírito. Embora eu aprecie e aproveite todas as coisas e pessoas de que gosto, estou sempre no aguardo de mais. Eu quero ver mais finais de tarde, quero ir ao teatro, quero assistir a mais filmes em minha casa, quero rir mais e ler muitas revistas e muitos livros.
Quero escutar as histórias divertidas do meu pai, mas quero ter tempo de assistir o documentário sobre as pirâmides do Egito.
Quero comer papa de amido de milho, mas quero experimentar o caldo verde da soparia.
Quero visitar os meus amigos e ter tempo de replantar a minha horta e jogar Guitar Hero e cozinhar macarrão com molho branco.
Quero ver a lua e acordar cedinho e ter disposição para me exercitar e deitar numa rede sem pressa de levantar.
Quero ter tempo de ver o estrago e as boas obras do tempo.

Preciso de uma receita. Pode ser médica, culinária. É bastante que revele como posso transformar meu tempo em mim. Canta, Cazuza! O tempo não pára.