domingo, 26 de setembro de 2010

Olhos no espelho



Quando vejo os meus olhos no espelho
Posso ver muito mais que meu reflexo
Vejo porquinhos tomando mamadeira
E colos que me seguravam para contar-me histórias
Sinto o cheiro de doce de goiaba caseiro
E os risos de minhas festas de aniversário
Bolinhas de miolo de pão francês
E um casaco quentinho nas tardes de inverno
Posso enxergar todas as dobrinhas do corpo gordinho e rosado do meu irmão
Percebo que os passeios dominicais com os meus pais fizeram a minha infância
mais criança.
Consigo escutar as gargalhadas das minhas amigas, as longas tardes em que
pudemos conversar e confessar nossos segredos juvenis, os sorvetes e as macaúbas,
o cheiro das festas natalinas que me faziam tão feliz.
Ouço os cânticos e as orações dos encontros pastorais, a presença de um Jesus
adolescente numa quadra de esportes colegial.
Recordo a inquietação ansiosa da primeira paixão e a dor de descobrir que
nem sempre o outro queria o meu bem.
Vejo soluços de saudade nas minhas retinas, adeus a pessoas tão queridas
que partiram para amar em outro lugar.
Cerro minhas pálpebras para sentir, como na primeira vez, os lábios do amor
a me tocar - alma que a minha aguardava.
Posso ver o tornar-me mãe - tradução da minha entrega à vida.
Quando vejo os meus olhos no espelho
Verdes, serenos, agitados, marcados pelo tempo
- nestas linhas é que escrevi quem sou
Com letras e músicas
Encontros e partidas
Amigos e poemas
Lágrimas e abraços
Perfumes e violão
Olho-me e vejo muitas de mim
Não sobrepostas contudo
Frente e costas, verso e anverso
Caleidoscópio, carneirinhos,
Doces, brinquedinhos
Chinela velha, uma fralda, um cachorrinho
Posso ver que procuro a vida eterna
A cura para as pinturas de tardes gris
- muitas rosas pequenas e vasos de jasmins.