quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Concha e pérola

Meu irmão teve um sagui quando era pequeno. Andava com ele no ombro. Morreu por engano. Explico: tinha ratos em casa e puseram veneno para matá-los, só que o danado do sagui resolveu se alimentar dessa delícia proibida...

O sagui estava lá, retesado, sem responder aos chamados do seu dono.

Foi um dia de sofrimento... Atrás de casa tinha um terreno baldio e acharam de colocar o 'defunto' numa caixa e depositá-lo no local, até que passasse o caminhão do lixo. Meu irmão chorou o dia inteiro, literalmente, pois quando se acalmava um pouco, abria a porta da garagem e corria a ver seu amigo inerte. E vamos chorar novamente!

Essas dores pelas quais passamos nos permitem criar uma casca, uma morada dentro de nós mesmos, onde podemos partilhar, sozinhos, nossos desencantos, desenganos, nossas perdas. Nesse lugar, cujo acesso é bem limitado, a passagem do tempo é diferente e as paisagens vão se alterando como estações. Quem aguentaria viver somente na sobriedade e solidão, no inverno ou no verão, na euforia e curtição? Até nossas maiores felicidades atingem seu ápice e, por incrível que pareça, declinamos do prazer e da satisfação porque precisamos contra balancear o peso da vida.

Encontrar o fiel da balança. Não existe fórmula. Meu equilíbrio é alcançado e mantido de maneira única. Não há um processo massificado, uma dica mágica de como resolver a vida. O certo é que aprender a lidar com os problemas, da maneira mais tranquila possível, é o norte a seguir.

Meu irmão chorou um dia inteiro. Chorou toda a sua dor. No outro dia não havia esquecido, seu bichinho havia morrido, contudo a vida o impeliu a dar mais um passo. E mais outro. Mesmo sem consciência plena sobre aquela fatalidade, sua natureza de criatura o manteve respirando. Resolveu a seu modo a crise que foi obrigado a passar.

Algumas pessoas rezam. Outras choram.
Algumas se escondem. Outras vão à feira.
Algumas lamentam. Outras arrumam o guarda-roupas.
Umas edificam. Outras preferem ajuntar os escombros.

"Navegar é preciso, viver não é preciso."  - Fernando Pessoa

Para os mais desavisados a palavra 'preciso', nesse contexto, não é sinônimo de necessidade e sim de precisão. E é dessa exatidão que tratamos aqui. Porque não há matemática aplicável a situações de crescimento pessoal. O que funciona comigo não vai dar certo, obrigatoriamente, com você.

Para acalmar, Cecília Meireles
Para confortar, os Salmos
Para escutar, MPB
Para almoçar, feijão com arroz
Para passear, a praia e o mar
Para dividir, o lanche com os amigos
Para dormir, edredom
Para contemplar, a lua nova
Para sentar, o sofá de casa

Posso fazer uma longa lista sobre o que me causa alegria, o que me estabiliza, o que me conforta. Vai servir para que outros saibam o que me agrada. Mais do que é isso é sugestão.

A perda, mais cedo ou mais tarde, vem. Assim como o ganho. Mais cedo ou mais tarde vai.

E vou parafrasear Cecília Meireles, só um trechinho: E ondas seguidas de saudade, sempre na tua direção, caminharão, caminharão...

Ora somos peixe. Ora somos mar. Mas que diferença faz se estando separados são a mesma coisa, condutores da mesma essência? É como ser concha e pérola. Criador e criatura. Sempre, ainda que a criatura siga para a plataforma de embarque antes do horário previsto.