quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Preciso de uma receita

"A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá" ...
 Chico Buarque

Vivo uma luta interna e diária. Comigo mesma. E o que tento conquistar é o gerenciamento do meu tempo. Sou constantemente atropelada por mim. Às vezes sinto que meu dia não tem as vinte e quatro horas prometidas nos livros de Ciências.
Talvez se eu morasse na zona rural, criasse uma vaquinha, cuidasse de uma hortinha, passeasse à tardinha, fizesse um bolinho de milho para o jantar, penteasse os cabelinhos das minha filhinhas, olhasse as estrelinhas, desse uns abracinhos no meu amor e dormisse cedinho, o tempo passasse devagarzinho.
Mas eu moro aqui, numa cidade do interior. Acordo cedo para despertar as minhas filhas (neste momento já faço uma breve viagem a capital, desejando que aquela que está de mim distante tenha também um bom dia). Tomo banho. Perfume, maquiagem, roupa, sapato. Café da manhã. Trabalho. Muito trabalho, tanto que não vou gastar mais tempo dissertando sobre ele. Almoço. Um pouquinho de internet, quando dá. Mais trabalho. Casa de mãe. Beijo no pai, abraço na avó, beijo na mãe. Faculdade. Blog. Tarefa de casa. Guarda-roupas para arrumar. Tem rato no quarto de fora. Tenho que lembrar de comprar veneno. Ração para o cachorro. Banho novamente. Sinal da cruz. Oração. Entre os lençóis enumero pelo menos umas cinco coisas que preciso mesmo fazer amanhã (e é quase certo que não farei).

"Posso ouvir o vento passar,
assistir à onda bater,
mas o estrago que faz
a vida é curta pra ver"...

Sinto como se a roda me girasse. Mas, afinal, quem tem o controle não sou eu?
E só penso que talvez o depois de algumas coisas venham tornar-se o nunca da espera, a nulidade de olhos que já não podem mais contemplar o instante.
Quando eu era adolescente tinha uma frase que circulava nas contracapas dos cadernos mais ou menos assim: se ontem fosse hoje, hoje seria amanhã. 
Hoje é agora. Agora o que escrevi no começo já faz parte do meu passado.
Tenho que controlar minha ansiedade pelo desejo de poder fazer todas as coisas.
Sei que não posso. Mas quero. 
Nessa luta encontra-se meu espírito. Embora eu aprecie e aproveite todas as coisas e pessoas de que gosto, estou sempre no aguardo de mais. Eu quero ver mais finais de tarde, quero ir ao teatro, quero assistir a mais filmes em minha casa, quero rir mais e ler muitas revistas e muitos livros.
Quero escutar as histórias divertidas do meu pai, mas quero ter tempo de assistir o documentário sobre as pirâmides do Egito.
Quero comer papa de amido de milho, mas quero experimentar o caldo verde da soparia.
Quero visitar os meus amigos e ter tempo de replantar a minha horta e jogar Guitar Hero e cozinhar macarrão com molho branco.
Quero ver a lua e acordar cedinho e ter disposição para me exercitar e deitar numa rede sem pressa de levantar.
Quero ter tempo de ver o estrago e as boas obras do tempo.

Preciso de uma receita. Pode ser médica, culinária. É bastante que revele como posso transformar meu tempo em mim. Canta, Cazuza! O tempo não pára.