terça-feira, 21 de setembro de 2010

Velha infância

Se essa rua, se essa rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes
Para o meu, para o meu amor passar

Se eu roubei, se eu roubei seu coração
Tu roubaste, tu roubaste o meu também
Se eu peguei, se eu peguei seu coração
É porque , é porque te quero bem.

Eu cantei essas e muitas outras.

"Senhora dona Canja, descubra o seu rosto. O seu rosto é de prata quero ver a sua cara. Que anjos são esses que andam por aí? É de noite, é de dia, padre nosso, ave-maria! Somos filhas do rei e netas da rainha, senhor rei mandou dizer que escolhesse uma pedrinha." Talvez dona Canja, fosse Cândida. Mas na música da minha infância transformamos seu nome na alegria de brincar em círculo, de mãos dadas, sorrindo.

"Sambalelê tá doente, tá com a cabeça quebrada. Sambalelê precisava era de umas boas palmadas! Samba, samba, Sambalelê, samba na barra da saia, ô lê lê!" Hoje não é uma música politicamente correta, palmadas, como diz a doutora Lorca: "não pode!"

"Atirei o pau no gato-to-to. Mas o gato-to, não morreu-reu-reu. Dona Chica-ca, 'dimirou-se-se' do berro, do berro, que o gato deu, miau!" 

"Boi, boi, boi! Boi da cara preta! Pega essa menina que tem medo de careta!"

Li um texto sobre a carga psicológica dessa músicas infantis. Foram todas condenadas: incentivo aos maus tratos aos semelhantes e aos animais, causa de medo. Fiquei pensando ao final da leitura: a mim, só me trazem boas lembranças.

A camaradagem da brincadeira. O treino para desinibir no samba solitário do meio da roda. O exercício de ficar de cócoras e rapidamente levantar ao gritar MIAU! Quem já foi uma melancia verde, vendida ou abandonada, ao se verificar, depois de uns cocorotes, se estava verde ou madura?

Bom, de qualquer forma, eu sobrevivi a minha infância de brincadeiras de roda, músicas de horror, graduação em tortura animal e felicidade. Lembro com saudades. Desculpem-me os psicólogos, os pedagogos e afins. Minha mãe não me traumatizou ao cantar para eu dormir, mesmo que houvesse um boi para me pegar e um pavão, que eu não sabia o que era, em cima do meu telhado.

"Lá na estação, bem de manhãzinha, segue o trenzinho todo carregado, e o maquinista toca a manivela: Piuiuií, lá se vai." E eu fui passageira desse trem!