domingo, 3 de abril de 2011

O caminho de flores

Uma vez, quando eu era pequena, fui passear com meu pai. Não lembro para onde íamos, mas estávamos na BR 232, indo em direção ao sertão. Minha felicidade, toda expectativa de chegar para onde rumávamos, acabaram-se quando atropelamos um cabritinho. Paramos, meu pai desceu para ver o estrago. Eu, de joelhos, olhando pelo vidro de trás, vi o cabritinho ser removido, na esperança de que houvesse sido apenas uma leve batida...

O cabritinho ficou lá, no acostamento. Meu pai dizendo as palavras que acabaram com minha tarde: o bichinho não vai resistir. E o bichinho ficou lá, à margem. Na minha cabeça sua mãezinha estava no mato, espreitando, aguardando o momento de sair e socorrer seu filhote. Não ia adiantar - "o bichinho não vai resistir".

Sabedoria, sobrevivência. Pode-se nomear da forma mais conveniente, contudo o que fazemos é seguir em frente. Rodeados de tristeza, de agonia, com pesadas nuvens sufocantes dentro dos nossos pulmões. Ainda assim, com o mundo desmoronado, há um outro lugar, de onde viemos antes desse agora causticante, onde as pessoas riem, o céu está azul e convidativo à alegria, os seus amigos estão no trabalho e a pessoa que você ama toma café com bolo inglês (partilha da sua dor, mas não pode sorvê-la, anulá-la).

O mundo gira. É dia. É noite. Não adianta esconder a cabeça embaixo do cobertor. Amanhece ainda assim.

Tive que elaborar minha dor. Nessa construção esqueci para onde fomos. Lembro apenas que havia uma ponte entre mim e a alegria de ir, a expectativa de chegar. Sei que fui, mas não recordo da chegada, nem do retorno. Foi pontual aquele atropelamento. Hoje sei que quando as coisas do mundo me atropelam consigo estar viva, do outro lado da ponte. Não é fácil, nem indolor, mas é possível (re)criar minhas expectativas.

O caminho de flores. É nele que eu quero estar.