quarta-feira, 13 de abril de 2011

Papel-manteiga


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. 




Tem certos dias que não são certos. Nessas horas de desacerto o dia parece mais longo, o céu mais escuro, a noite mais silenciosa e o relógio da cozinha parece possuir um grande amplificador. Tic-tac. Tic-tac. O pensamento é o mesmo, ritmado pelo tiquetaquear, de que não há possibilidade de respirar sem doer.


Perspectiva e expectativa. Parecidas, parentes, mas não se dão bem e em mim não andam juntas. Aquela como vejo, a outra como espero. Ao se encontrarem revelam o que já havia - eu só não ouvia.


Abstração. Distração. As letras, os números, as fotos, as flores, o que mais amo.


As dúvidas e incertezas. As alegrias, a pureza. Os olhos fitos no caminho. O caminho reto ora perdido. A árvore da curva revelada. Tudo e muito mais embalado no papel-manteiga que usei para desenhar o amor. Suas arestas cuidaram de rasgar-lhe o delicado invólucro.


Não adianta. Lá onde o vento sopra, dentro do meu peito, há um pé de folhas grandes e raízes profundas. Nos dias de alegria ouço-as dizer que passará. Nas breves tormentas obrigo-as a vociferar que vai passar. E vamos nesse canibalismo de sentimentos - eu a engolir o amor, o amor a engolir-me sempre.