terça-feira, 3 de maio de 2011

Além-mim

Camisa de algodão - listras brancas e azuis, calça jeans, tênis e meia. Estou vestida. Minhas partes que não devem se revelar, cobertas. Minhas partes que se mostram, confortáveis. A vida podia ser simples assim, mas definitivamente não é.

Acordar já é ato de escolha. Acordar, ajustar o desejo das partes. Há coisas que não se ajustam, não produzem nem sombra - que depende basicamente do outro. Pau que não dá sombra. Por que você o escolhe? Madeira que abastece a fornalha não é madeira de construção. Depois que o pedreiro senta as pedras do terraço de forma irregular, confiará você que na sua sala de estar se dê melhor trabalho?

Nova chance. Confiança. O vidro quebrado é substituído e não remendado. Na vida, não dá para ser assim. Ficamos olhando pela vidraça trincada, focalizando a paisagem, vendo além da rachadura.

O caminho é passagem, é tropeço, é recomeço. É dali para frente (ou para trás). O caminho é pergaminho de passadas. É isso. O caminho é a história de agora. É a história de além-mim. É a história, às vezes, do que já teve fim.

Conforto-me lembrando da minha camisola macia e velhinha, com cheirinho de roupa limpa na gaveta. Visto-me no meu ninho. Não acho pouso, minhas asas teimam em voar. Vou indo. Vou caminhar no aceiro que abri agora.

Tudo poderia ser simples. Mas não é. Complexa. Completa. Repleta. É a vida. E eu quero vestir a minha camisa de algodão, o meu vestido de minúsculas florezinhas e compreender, só um pouco, do complexo da vida.