sexta-feira, 30 de março de 2012

Eu não tenho medo de morrer

Não ter medo de morrer. Eu não tenho medo da morte, da escuridão. Tenho medo de partir antes da hora que eu ache que seria a certa. Deixar as contas pagas, o guarda-roupas arrumado, as plantas podadas, as filhas criadas. As filhas criadas: pensamento recorrente.

O depois do último suspiro, o corpo hirto, os olhos fechados, as mãos postas, as cinzas restantes. Nada disso me amedronta. O que dói é saber das lágrimas que brotarão, do corpo convulsionado de soluços pela dor da minha partida e da minha incapacidade técnica de consolar.

De frente de minha casa há duas árvores. Uma é Ficus e a outra, Acácia. A pequena semente, frágil e solitária, soterrada, hoje estende seus galhos e suas folhas sombreando minha calçada e meu terraço. De tempos em tempos os dias de mudança se avizinham, secam suas folhas e as espalham pela rua. O ciclo, para aquelas folhas, se fecha. E sendo folhas são árvores. E a árvore, mesmo desfolhada, continua árvore.

Não tenho medo de morrer. Deus é Deus e ainda quando, um dia, eu estiver morta, serei filha de Deus.

Uma folha que cumpriu o seu ciclo de vida e, caída, ficou pendurada numa teia de aranha é lembrança do viço de antes, é presença do que partiu e ficou, é rede que interliga a vida e a morte.

No livro A menina que roubava livros, de Markus Zusak, a morte diz assim: "Quer saber a minha verdadeira aparência? Eu ajudo. Procure um espelho enquanto eu continuo". Nada de capuz, olhar soturno, foice. No final serão os nossos olhos, as nossas mãos. No final será a ausência da clorofila. Estaremos desobrigados da vida do ser e ainda assim, e mesmo assim, seremos nós no final.