segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Análise

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

O primeiro contato que tive com este soneto, de Vinícius de Moraes, foi na minha adolescência. Eu cursava a 8ª série. Sempre gostei de ler. Primeiro gibis, depois tive uma fase de Agatha Christie (meu preferido era O Caso dos Dez Negrinhos),em seguida veio Sidney Sheldon (lia tudo que minha tia comprava). Clarice Lispector, Cecília Meireles, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Alves, Martha Medeiros, Padre Fábio de Melo, Professor Felipe Aquino, Pablo Neruda. Um escritor nos apresenta a outro.

Voltando ao Soneto da Fidelidade: primeiro me encantei, depois um amigo me disse que não dava muitos créditos a Vinícius de Moraes exatamente por causa das últimas palavras (ele acha que o amor é considerado como descartável). Aí, em solidariedade ao meu amigo, desencantei.

Hoje resolvi fazer uma releitura. Talvez 'o poetinha' não estivesse descartando as maravilhas do amor, o doar-se, a satisfação de fazer o outro feliz, o abnegar-se por vezes. Talvez ele estivesse querendo destacar a nossa condição de mortais, chama tênue na linha do tempo.

"Que seja infinito enquanto dure". Enquanto dure a nossa vida, durará o nosso amor.
Quero ser inteiramente sua, com as reservas necessárias. Quero poder me entregar. Entregar meu corpo e meus suspiros amorosos. Poder enxergar a mesma paisagem, segurando em sua mão. Aninhar minha cabeça no seu ombro, enroscar minhas pernas nas suas, como no princípio e hoje, e dormir alisando o dorso da sua mão.
"Quem sabe a morte, angústia de quem vive." - vai me encontrar preparada e satisfeita ou por partir ou por ficar. Indo ou permanecendo saber que o amor de Vinícius, extinto pela condição, reverberava o amor de Fernando Pessoa: Quando te vi amei-te já muito antes. Tornei a achar-te quando te encontrei.
"Quem sabe a solidão, fim de quem ama." - e aqui, neste ponto, vem o desacordo, o desatino. Quem ama NUNCA está ou irá ficar sozinho. Nem a solidão dos poetas lhe será concedida. Então completo com umas palavrinhas de Neruda: 
Mas se amo os teus pés
É só porque andaram
Sobre a terra e sobre
O vento e sobre a água,
Até me encontrarem.

Quero para mim um amor que queime a cera da vela para iluminar. Percorra o caminho para me encontrar. Anseie por meus braços para descansar. Até que enfim, ao partir um dos amantes, os poetas fiquem a imaginar porque não escreveram tão lindo verso.