sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sertaneja

Sertão (Wikipédia) - ...seu significado original refere-se a uma região afastada dos centros urbanos, distante ou com pouca "civilização" (o nome é derivado da expressão "desertão", utilizada na época colonial para referir-se ao interior do país).
Ou, simplesmente, o interior de um país ou região.


Eu sou sertaneja. Nascida e criada no portal do sertão de Pernambuco.
Aqui, na minha infância, tive uma bicicleta Caloi azul, brinquei de me esconder entre as barracas da feira livre (que acontecia as sextas e sábados), lanchei pão com manteiga esquentado 'na chapa' acompanhado de guaraná Antárctica (caçula), fui à casa das minhas amigas para brincar de boneca, jogar dominó e fubica. Joguei bola no meio da rua e comprei macaúba, jambo e siriguela no mês de dezembro - nas barraquinhas da tradicional festa do comércio. Joguei queimada depois da aula no Colégio Imaculada Conceição e chupei picolé feito de essência de morango para enganar a sede e diminuir o rubor das minhas bochechas. Aos domingos fui muitas vezes visitar os parentes ou amigos do meu pai - e nesses passeios brinquei com pintinhos e me espantei com porcos grandes, gordos e cor-de-rosa. Fiquei ansiosa na minha primeira Eucaristia e participei, ainda como criança, da missa dominical das 11 horas da manhã - que era para os jovens.
E me tornei jovem. Treinei basquete, usei meu primeiro sutiã, fiz cachos no meu cabelo. Participei de muitos encontros para juventude na quadra do Colégio Cardeal Arcoverde. Ajudei nas feiras da fraternidade. Fui fã da banda RPM. Fiz amigos juvenis que me aturam ainda hoje. Comecei a aprender tocar violão. Fui menor aprendiz no Banco do Brasil e lá entreguei meu coração à pessoa que o monopoliza até hoje. Nunca usei minissaia, cresci demais e me envergonhava das minhas pernas e braços longos.
Amadureci, não fui estudar fora. Terminei a faculdade de Letras, fortaleci as amizades da minha infância e juventude, comi macarronada na barraca de Mara, dividi meu refrigerante, minhas ideias e meu casaco. Aprendi com a dureza das pessoas. Aprendi ser bondosa. Exercitei minha voz desafinada nas rodas universitárias de violão. Ri muito e conquistei pessoas que se sentem felizes em me reencontrar.
Casei na igreja Matriz Nossa Senhora do Livramento. Casamento oficiado pelo mesmo padre que me orientou na infância e na juventude. Fui mãe. Fui mãe. Fui mãe. Três vezes menos do que planejei.
Ser do sertão é referência geográfica. Orgulho-me de ser sertaneja, como orgulhar-me-ia ser pantaneira, gaúcha, paulista, paraense ou paraibana.
Não sou mais nem menos. Sou nascida na Terra.
Não tenho o mar, tenho a caatinga, com suas flores vistosas.
Não tenho largas avenidas, mas tenho um grande pomar.
Não visito o shopping aos domingos. Almoço na casa da minha avó.
Não enfrento o trânsito do sábado à tarde. Vou a pé para a casa da minha sogra.
Meus vizinhos sabem meu nome. O carteiro sabe onde eu trabalho.
Orgulho-me dos espinhos do mandacaru, o que não me impede de admirar as araucárias.
Aprendi não desprezar.
Prezar o que é bom e belo, independente de onde venha e para onde vá.

Ser sertaneja e pernambucana me permite dizer:
- Ôxi, menina! Avie logo! (se você não entendeu, só pedi para a menina se apressar)
Porém, ser sertaneja, pernambucana, nordestina, não me impede de ser cosmopolita, poliglota, antenada com os acontecimentos.

Todos da mesma matéria feitos. Com números de série diferentes. Para e em divisões diferentes. Mas iguais no feitio. Ser sertaneja me iguala ao ser criatura.